VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Veja bem, brother...


Não que me agrade falar desses fatos vis (citando, pela primeira vez, os Hermanos), ainda mais logo no início do ano, mas o fenômeno do obscurantismo explícito cresce tanto, e a olhos tão vistos, que deve marcar época. Aliás, não suponho que a Época escape deles: experimente o leitor digitar "Privataria Tucana" no site dessa revista global e veja (sic) o que (não) aparece.

Ainda assim, o fato histórico mais saliente é a omissão da revista que lançou a candidatura de um certo "caçador de marajás" (segundo uma manchete sua) ao Planalto. Desde sua publicação, a Privataria só apareceu na edição impressa da Veja em um lugar: na lista de livros mais vendidos, e mesmo assim, de acordo com essa matéria do R7 Notícias, depois de uma sutil censura interna, que o substituiu, inicialmente, e não por acaso, pelo novo manual da direita jovem brasileira: um livro que, sob o chamariz "inteligente" do "politicamente incorreto", fragmenta a história do Brasil para readequá-la à visão dos vencedores. Bem ao estilo Veja, diga-se de passagem.

O fato, no entanto, é que o livro de Amaury Ribeiro Jr. já é o mais vendido do país, e esse fato, que mesmo a Veja é obrigada a registrar em suas páginas (em letras bem miúdas), só torna o silêncio mais gritante: pelo menos como "fenômeno literário" o trabalho deveria ser analisado. Mas a Veja (e a Globo, e etc.) conhece bem o mote infalível: "falem mal mas falem de mim"... Acontece que as mídias impressa e televisiva deixaram de ser os únicos canais de informação neste país e em qualquer outro, e essas tentativas de ignorar algo a que a internet deu ampla visibilidade certamente marcam o início do fim de um reinado: um reino de posse, seleção e manipulação das informações. Parodiando Marcelo Nova e Raulzito, é muito sol pra pouca peneira.

Aliás, a Veja não pôde deixar de "tratar" da questão em seu espaço on line; ou melhor, seus blogueiros paus-mandados o fizeram. Mas pra quê? Pra fugir do assunto, declarando que Amaury Jr. "tem que se explicar antes de denunciar outros", sem rebater concretamente uma denúncia sequer do livro, ou então pra lançar uma nova acusação contra o mesmo Amaury: a de que ele compôs uma canção intitulada "Marli meu travesti". Ou, ainda, pra heroicizar um dos agentes da privatização tucana: "Vivi dias terríveis. Mas disse a mim mesmo que não iria me abater. Agora terminou". Terminou mesmo? (Confira o leitor, se tiver estômago, o primeiro, o segundo e o terceiro textos citados.)

É por isso que, citando de novo o Nova, eu acho geniais esse verso do Camisa de Vênus: "Disfarça suas mágoas entre as páginas da Veja". É pra isso mesmo que serve essa droga: tapar o sol com a peneira. Função idêntica, é claro, à da televisão comercial (e não só esta), principalmente sua grande e, pelo visto, perene merda chamada BBB (não vou declinar essa sigla porque ela contém um nome apesar de tudo amado). Não que eu assista o big bosther boçal (taí uma tradução mais exata), mas não é por isso que vou fingir que o que acontece em seus domínios não espelha de alguma forma o que vivemos aqui fora.

E pensar que eu já escrevi que Pedro Bial pode ser um cara "do bem". Mas não depois disso que eu li nessa matéria do Correio do Brasil: que, no dia seguinte à noite em que se cogita ter ocorrido um caso de abuso sexual na "casa" do BBB 12, ele abriu o programa com essas belas palavras: "O amor é lindo". É mesmo, mas a minha vontade, a essas alturas, é citar o Nova novamente: "Não vai haver amor nesse mundo nunca mais". "Mundo" que o público do show registrado no disco Viva trocou por outra coisa, obrigando o roqueiro, acreditem, a rezar o Pai Nosso, e reafirmar: "mundo". Porque é desse mundo mesmo, em que vivemos, que se trata.

É... veja bem, brother! Mas tape o nariz, porque a coisa tá podre.


P.S. - Pra não parecer maniqueísta, reconheço uma dívida impagável com a Veja: as crônicas de Luís Fernando Verissimo, há tempos publicadas em suas páginas, foram um de meus primeiros estímulos à leitura. E pra refrescar o clima (mas não muito, porque haja climatizador), deixo abaixo minhas citações musicais:

"Veja vem, meu bem", com Los Hermanos

"Muita estrela, pouca constelação", com Camisa de Vênus e Raul Seixas

"Pronto pro suicídio", com Camisa de Vênus

"O adventista", com Camisa de Vênus (ao vivo)

"Esse mundo que eu vivo", com Lobão

O Nova, de novo, e o eterno Raul

4 comentários:

  1. Um p.s. tardio: experimente, também, postar um comentário crítico (seguindo as regras expressas) no blog de Reinaldo Azevedo e volte lá depois de algum tempo pra ver o que aconteceu.

    E outro, pra completar minhas citações musicais: com vocês, "Marli meu travesti", com Amaury Ribeiro Jr.: http://www.youtube.com/watch?v=MhhaHi8Wjx4
    Confesso que admiro mais o jornalista investigativo que o cantor e compositor, mas não me parece que um prejudique o outro...

    "Coragem, coragem, se o que você quer é aquilo que pensa e faz" (Raul, de novo)

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  2. Ouço agora, "em tempo real", a nota oficial lida por Pedro Bial a respeito do "caso" afinal admitido, e que provavelmente nunca será inteiramente esclarecido. E eu mesmo esclareço que não acuso nem defendo nenhum dos envolvidos. Digo, acuso sim, de boçalidade extrema, os patrões e o dono da voz que passa da nota ao show com a desfaçatez usual: "Bola pra frente!" É o festival de merda que assola o país.

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  3. Se "Quem não tem colírio usa óculos escuros!"
    quem vê TV vê que controle remoto
    também é controle de opinião.

    Nunca vi e jamais senti falta do tal
    Baixaria Basbaque Brazil.

    Quanto aos tais cidadãos citados
    não jogo lenha e nem apago a fogueira,
    apenas os ignoro e a seus ritos atuais.

    Quando vivi em Brasília, nas décadas de 70 e 80,
    com alguns anos fugidios,
    vi(venciei) o suficiente da política e da mídia
    para continuar sendo um livre pensador livre
    que não se deixou influenciar nem por Brecht.

    Numa das vezes em que fui demitido do Correio Braziliense,
    por uma bobagem de grandes proporções, confesso,
    o editor, que gostava do meu trabalho, disse não entender
    a minha falta de ideologia política, já que não era
    (e nunca fui) da direita, centro ou esquerda.

    É, pensar por conta própria é muito mais perigoso
    do que balir feito ovelhas partidárias.

    Abração.

    T+

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  4. fico feliz que tenha gostado do poeminha, mas não confunda essa paz, hein! (ria, por favor). quanto ao texto do paulo, eu diria que é muito mais que bonito. ele, de fato, é incrível: lúcido e muito pertinente. abraços e um ótimo ano pra você, pra josy e pros (lindos) pequenos.

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