VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

sábado, 20 de agosto de 2011

O Anjo da Morte

Chicago, Illinois

A tempestade vem chegando

Acompanhando o Anjo do Abismo

É o quarto cavaleiro

Cavalgando a morte

É o tempo do destruidor

Seu nome bíblico é Abadon

O último anticristo servindo a Besta

Ele é o Anjo da Morte

É o fim do reino da impostura.

Amém.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Naufrágio

    oscilante
     fluido total
         descendo
     o corpo
   resquiciando vida
pelas bolhas
peso espesso declina
por natural densidade
arrastando fundo adentro
o cadáver social

   grosso barbante
     gangrena a
            perna
 com pressão
       ameaçada por
 vários indicadores

matéria concisa esconde
sem furos uma esponja
inexorável demolição do
imaginário arranha-céu

          braços flagelos
      em queda
            livre
      não sustentam a
          dúvida
           em decisão

concreto solúvel preenche
os nichos profundos da
submersa satisfação

Victor Ferraz

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Não precisa dizer,
não diga que me ama.
Dê-me sua umidade transbordante.
Deixe-me reter entre os dentes
seus mamilos pretos de tons dourados.
Deixe-me aspirar cada milímetro de sua pele dourada.
Dê-me sua voz lânguida e seu corpo lânguido,
e, sempre que puder, os dois juntos.
Mas me dê também o toque de seus olhos,
e, sempre que puder, o de suas mãos.
E, sim, derreta-se.
Derreta-se toda para que eu possa aspirá-la inteira,
como aspiro seus seios,
seus cabelos
e nacos de sua pele.
Se possível, derreta-se tanto
que sua alma transborde por sua pele
como transborda em seu odor mais íntimo,
e a qualquer hora, em qualquer lugar,
eu possa te ter a um simples toque ou o roçar de nossos braços,
sem precisar sequer roubar-te um beijo.
Não diga que me ama:
me ame
como a um cão
ou a um irmão,
ou qualquer naco da vida
que seus olhos transbordantes de amor
sabem amar sem dizer nada.

domingo, 7 de agosto de 2011

Gaia: o Sistema Terra e a Aldeia Global


"Nossa terra é nossa alma. É da terra que tiramos nossos costumes, nosso presente, nosso passado, nossa vida." (Provérbio Inuit)

Quando povos europeus de etnia Viking – de origem Norueguesa - chegaram à Groenlândia, na Idade Média, depararam-se com povos aos quais denominaram skraelings, uma expressão do nórdico clássico cuja tradução remonta a palavra "desgraçados". Os povos recém-descobertos pelos europeus eram assim considerados inimigos em potencial, simplesmente por possuírem uma cultura distinta do eurocentrismo medieval. Entretanto, aquele povo panteísta amaldiçoado pelos nórdicos se denominavam Inuits, e sobreviveram há séculos numa das regiões mais inóspitas do planeta, simplesmente porque adequaram seu modo de vida às condições extremas da Groenlândia.

Os Vikings, por outro lado, tentaram fracassadamente adequar à Groenlândia sua cultura eurocêntrica com criação de ovelhas, vacas e construção de templos cristãos, e após cerca de cinco séculos de colonização, foram totalmente dizimados naquela grande ilha fria, vítimas do inverno rigoroso e de tentativas fracassadas de combater os Inuits - os grandes senhores do gelo.

Séculos depois, outros povos de origem Viking, desta vez provindos da Dinamarca, restabeleceram um processo de recolonização da Groenlândia, mas desta vez de forma mais sustentável, tentando não apenas inserir componentes econômicos de origem europeia, como também adequar-se às condições que a ilha poderia naturalmente oferecer. Os dinamarqueses encontraram ruínas medievais típicas de sua etnia na Groenlândia, mas nenhum sinal vivo dos nórdicos medievais do passado. Entretanto, se depararam com os Inuits, que permanecem ainda hoje invictos naquela terra inóspita caçando baleias, focas, e construindo refúgios no gelo em situações extremas.

O provérbio Inuit reflete um importante aspecto referente ao uso da Terra: a sensibilidade de sentir-se parte do Sistema Terra, e não seu senhor, acarretando assim num modo mais sustentável de uso dos recursos, sincronizado não apenas com a sobrevivência humana, como também consciente do que cada localidade possa oferecer. E hoje, os Inuits ainda são encontrados na Groenlândia, convivendo pacificamente com os colonos dinamarqueses.

A lição da Groenlândia talvez remonte à ideia de que somos parte do ambiente, e não seu senhor. E, se de fato quisermos viver de modo sustentável, devemos reconhecer o que de fato somos: parte do ambiente, e não seu soberano. Ao nível das espécies na biosfera ao invés de culturas, tal como prescrito na história anterior, acredito que seja essa a premissa básica da Hipótese Gaia.

A ideia metafórica do planeta visto como um "superorganismo vivo" remonta a vários séculos, com a cultura helenística. A mitologia grega descreve a Deusa Gea, a mãe dos mares e dos doze titãs, como a personificação divina da Terra. Entretanto, uma visão mais centrada no conhecimento teve início com o escocês James Hutton, no século XVIII, autor da teoria uniformitarista e um dos fundadores da Geologia moderna. Hutton ressaltava que as interações bióticas globais deveriam ser estudadas sobre a ótica da fisiologia, considerando assim que a Terra seria um todo interligado, tal como um grande ser vivo.

 
James Lovelock
A fragmentação da ciência no século XIX em visões distintas obscureceu a premissa de Hutton, e foi apenas na década de 70, a partir dos estudos do químico britânico James Lovelock, que esta visão holística foi creditada como uma hipótese científica. A Hipótese Gaia, como foi denominada por Lovelock em analogia à Deusa Gea, postula que todos os ecossistemas estão interligados para formar a biosfera, como um superorganismo que envolve o planeta. Também pode ser enunciada num contexto evolutivo, ressaltando que a vida na Terra, em particular os microorganismos, teriam evoluído em conjunto com o ambiente físico, proporcionando assim condições favoráveis para a origem e o desenvolvimento de seres vivos com maior grau de complexidade.

Assim, a Hipótese Gaia de Lovelock relaciona o ambiente físico e o biológico como entidades fortemente conjugadas, que evoluíram em conjunto. Neste contexto de conjugação complexa, qualquer espécie que afeta adversamente o ambiente tende à extinção. Lovelock fragmentou a Hipótese Gaia em duas distintas versões, sendo a primeira denominada "forte", pois considera a Terra como um verdadeiro superorganismo, onde cada espécie é otimizada para estabilizar o ambiente e beneficiar-se do equilíbrio do ecossistema. A versão "forte" possui um forte caráter de metáfora, e o próprio Lovelock contesta sua deficiência como hipótese científica.

Entretanto, a versão "fraca" postula que algumas espécies podem exercer influência significativa sobre a biosfera, o que tem mais sentido do ponto de vista empírico. Assim, é certo que o fitoplâncton oceânico desempenha um importante papel no clima terrestre, já que o dimetilsulfeto produzido por certas algas oceânicas, ao escapar para a atmosfera, pode ser importante para a formação de nuvens.

Com relação às florestas, a visão holística de Gaia pode justificar não apenas sua manutenção, como também o indispensável estímulo para o reflorestamento de áreas degradadas sempre que possível, pois sabe-se que a cobertura vegetal florestal emana grandes proporções de vapor de água para a atmosfera, contribuindo assim para a formação de nuvens que refletem os raios solares e produzem chuva. Assim, mais florestas implicam condições climáticas mais favoráveis, e o desmatamento, por outro lado, pode implicar em alterações climáticas extremas, que podem ocasionar sérios prejuízos para as populações humanas e seu forte sistema macroeconômico alicerçado em princípios tácitos que concebem os recursos como bens infinitos.

Hoje, somos uma grande aldeia global, muito maior e mais complexa que o povo Viking medieval que orgulhosamente tentou se impor na Groenlândia. Preocupamo-nos com nossos anseios pessoais, e nos esquecemos que somos parte da Terra. Entretanto, atualmente não está em jogo apenas a sobrevivência de uma simples cultura medieval, mas da espécie como um todo. A visão de Gaia sugere que, se quisermos retardar o terrível colapso que está por vir, em conseqüência de séculos de uso insustentável dos recursos do planeta, deveremos começar a pensar como os Inuits, e humildemente enxergarmo-nos como parte do planeta, e não como seu soberano único.

Notas
* O conflito entre Inuits e Vikings na idade média foi recentemente descrito por Diamond, J. (2007). Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro. Editora Record.
* A estrutura geral da Hipótese Gaia foi sucintamente apresentada por James Lovelock, num dos últimos capítulos do clássico Wilson, E. O. & F. M. Peters (1997). Biodiversidade. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira.
* Uma das últimas obras de James Lovelock (A vingança de Gaia - que ainda não li totalmente), descreve a visão futura do autor, sobre um provável colapso da espécie humana, devido ao uso indevido dos recursos do planeta. Lovelock comenta sucintamente as premissas básicas deste livro nas páginas amarelas da Revista Veja (ed. de 25-10-06).
* Wilson, E. O. (2002) em O Futuro da Vida. Rio de Janeiro. Editora Campus, descreve as versões fraca e forte da Hipótese Haia.
* O conceito evolutivo da Hipótese Gaia foi sucintamente apresentado por Odum, E. P. (1988). Ecologia. Rio de Janeiro. Editora Guanabara S.A.

 Daniel Blamires
(Doutor em Ciências Ambientais, e professor da Universidade Estadual de Goiás, na Unidade Universitária de Iporá.)

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Dogville e o mundo cão

Eu havia decidido encerrar minha série de "intervenções" sobre o "caso Breivik" com um outro texto, conforme adiantei, aliás, em um comentário à postagem anterior sobre o mesmo assunto. Seria uma tentativa de extrair desse pequeno tumulto discursivo (para encarar a coisa com isenção, ou seja, tentando me desprender um pouco dela) uma reflexão mais geral e, ao mesmo tempo, mais concreta no que tange ao nosso cotidiano. Esse post teria como ponto de partida o convite a pensar a relação entre ética e estética formulado por minha amiga e colega Fabiana Abi Rached (no mesmo lugar recém-citado), fazendo-o, porém, no âmbito de algo que se manifesta não só nas preferências como nas feições de muitas de minhas próprias postagens, ou seja, o espírito e as formas da "cultura pop".

Seria o caso de pensar a articulação (não raro promiscuidade) dessa "cultura" com a barbárie, mais exatamente sua propensão a celebrá-la em gestos festivos que absorvem sua propalada crítica dela. E de constatar, portanto, o conluio de algumas de minhas postagens com essa lógica (confiram, por exemplo, meus "anúncios infernais" no final deste post e vejam se não é verdade). E é claro que não é em pouca medida que se pode desconstruir de forma semelhante a ideia e as ideologias da arte em geral, inclusive em suas formas - e preferências - mais "elevadas". Ou seja, notar que no âmbito da própria "necessidade da arte", para falar com Ernst Fischer, residem as demandas mais tola e/ou insidiosamente escapistas que se explicitam na cultura pop. Tudo isso certamente como um tipo de mea culpa (seria um post bastante difícil, sem dúvida, e eu estou aliviado por resumi-lo assim), mas também como uma constatação de como essa lógica viceja no âmago de nossas "melhores intenções"... Ou seja, do quanto é preciso levar a sério o que a mesma Fabiana me disse: é preciso pensar as responsabilidades de todos de nós.

Ainda pretendo dizer algo sobre isso, inclusive no sentido de argumentar em que o pop - e, claro, a arte em geral -, a meu ver, aponta e contribui com algo para além disso. No entanto, por um acaso que não é, a meu ver, inteiramente fortuito - pois mostra como de fato essas coisas estão todas articuladas -, a questão colocada por minha amiga ganhou, repentina e inesperadamente, uma ilustração dentro do próprio contexto - o "caso Breivik" - em que foi colocada. Trata-se, naturalmente, da descoberta de que Dogville, de Lars von Trier, é um dos filmes preferidos (mais exatamente, o terceiro) de Breivik, seguida da inevitável desconfiança - aliás alimentada pelo próprio cineasta - de que as ações do "terrorista" norueguês tenham se inspirado nele. O próprio Trier viu no massacre da ilha de Utoya uma "semelhança muito desagradável" com seu filme.

Não é a primeira nem, certamente, a última vez que uma obra de arte é acusada de causar esse tipo de "efeito". E, como quase sempre, a acusação não deixa de fazer algum sentido - ou vamos supor que a arte, no máximo, "retrata" a realidade, e de modo algum interfere nela? -, mas apenas numa perspectiva muito limitada, que ignore, antes de mais nada, a complexidade das motivações que determinam um ato atroz como o de Breivik. Este pode ter se identificado com o filme de Trier - ou melhor, sua protagonista -, e até, de fato, usado-o como modelo ou roteiro de seus crimes; mas estes, certamente, tiveram uma gestação muito mais longa.

Aumentando a polêmica, o líder do partido de utradireita acusado por Trier de ser co-responsável pelos massacres de Breivik relembrou declarações recentes do diretor em defesa (ou algo assim) de Adolf Hitler: "não é o que chamaríamos um bom homem, mas simpatizo um pouco com ele". De minha parte, por mais que essa declaração me desagrade, veja nela o mesmo estilo bombástico que Trier exercita "artisticamente", e também a recusa a todo e qualquer maniqueísmo - no caso, o que faz de Hitler o símbolo de um Mal Absoluto, ou seja, um Mal como que indeterminado - que nem sempre a crítica percebe em seus filmes.

O fato é que se Breivik se identificou com Dogville, certamente o fez de forma errada, ou melhor, espuriamente parcial. A evidência - marcada de forma extrema no episódio da morte das crianças em "troca" da quebra dos bonequinhos - do quanto Grace se torna pior que seus algozes é muito grande para atribuir a seus gestos qualquer sentido de justiça. Quase desde o início, aliás, Grace piora - e muito - as coisas em Dogville, enquanto seu pietismo - na verdade a tola autocomplacência com seu "missionismo" - a cega para a enorme confusão, social e libidinal, causada por sua presença e sujeição física.

No meu entendimento, o filme de Trier versa sobre a miséria da complacência populista, salvacionista e supostamente desinteressada de certa "concepção democrática" de mundo (assumida por sabe-se bem que nação), com sua visão deturpada, reducionista e infantilizada do outro, pronta a tornar-se o contrário, ou seja, visão infernal, demonizadora, tão logo - não tão logo assim, no caso de uma Grace como que caída do céu - a face contraditória desse outro se revele. Um índice do caráter hiperbólico que Trier atribui à desumanização dos habitantes da cidade emerge ao fim ou mesmo "depois" do filme, quando, durante ou após os créditos finais, são projetadas fotografias de pessoas que percebemos serem algo como "equivalentes reais" dos personagens que vimos em ação, e cujos sorrisos, olhares melancólicos etc. lembram o quanto de profundamente humano reside, apesar de tudo, no seio da realidade.

Não quero dizer, com isso, que Dogville seja um filme imune a críticas, inclusive no que diz respeito a suas implicações éticas. O próprio Trier falou sobre seu caráter "pedagógico" em sentido contrário às ações de Breivik; no entanto, eu mesmo tive a experiência de ver o final do filme - ou seja, a vingança de Grace - aplaudido por uma turma de alunos universitários, o que me obrigou a uma espécie de ritualística ou terapia de choque no sentido de inverter e expor o absurdo dessa recepção desumanizadora e, aliás, desumana (além de desistir de usá-lo, justamente, como ferramenta pedagógica). E encontrei críticas na internet, algumas não propriamente desinteligentes, abonando essa recepção. Ou seja, se a intenção de Trier era pedagógica - e não estou entrando, aqui, no mérito relativo a uma tal concepção de arte -, algo não deu certo em seu filme.

Talvez porque sob a superfície - a meu ver explícita - dessa intenção residam, mesmo, elementos ambíguos e eticamente duvidosos - mais, pelo menos, do que eu costumava admitir -, e a idealização do mafioso em carrasco sensível (que quer matar a filha mas depois lhe pede para poupar seus algozes, o que talvez também signifique salvá-la espiritualmente) talvez seja um índice disso. A própria declaração de Trier, aliás, salientando as coincidências entre o filme e o massacre na ilha me parece estranha; algo como a atitude um sujeito brilhante e confuso, indeciso entre o empenho de tornar-se um artista verdadeiramente sério e ser, mais que tudo, um polemista-propagandista de si mesmo - algo de que, naturalmente, a declaração sobre Hitler é uma manifestação bem mais direta e infeliz.

Mas eu posso estar sendo injusto. A preocupação de Trier pode ser sincera, em se tratando, aliás, de um artista que cujo primeiro grande êxito (Os idiotas) manifesta uma inequívoca força autodesconstrutora. E quem sou eu para censurar mea culpa e autopublicidades (promovo minhas postagens e outras deste blog o tempo inteiro) alheias?

De qualquer forma, não é o caso de pleitear de uma caça às bruxas. A vigilância crítica é necessária, mas ela só pode ter um sentido benéfico se assumida voluntariamente como uma demanda interior e construtiva - ou seja, se subordinada a uma demanda de fidelidade ao melhor de si. Os méritos de Dogville - um filme que admiro e aprecio, mas no qual vejo certa distância entre a qualidade (sobretudo textual, e se trata de um filme muito textual) e a intenção artística - têm relação, a meu ver, justamente com sua coragem e radicalidade no trato com as contradições da realidade, algo que a arte séria não pode senão almejar em nosso tempo. Ainda assim, as contradições talvez inevitáveis que emergem de seu choque com a realidade (e de seus próprios e vários "níveis de realidade") obriga a recolocar a questão que colocamos no início: não haverá, mesmo no âmago da arte mais séria e "profunda" que se produz hoje - inclua-se aí ou não a produção de Trier, o que é uma questão em aberto -, algo ainda aquém da responsabilidade exigida por nosso tempo?

Enfim, que Trier continue a fazer seus filmes, e que estes façam cada vez mais justiça a sua inteligência e sensibilidade. É tudo o que podemos desejar (na impossibilidade de lhe dizer isso :)). Vejam aí um dos benefícios da arte: o de sorrir. Essa necessidade, de novo com Fischer. Aliás, queria ter ilustrado este post com uma das imagens de rostos sorrindo no final de Dogville, mas não a encontrei pelo google. Trier, por sinal, tem uma comédia, que não vi. Enfim, que não lhe falte Amor e Humor. Sobre isto, aliás, é meu próximo post; se os dias estiverem - aparentemente, como sempre - mais ou menos amenos.

Sim, sempre aparentemente. Pois não custa lembrar isso que alguém, assinando como Márcio, postou outro dia nos comentários do yahoo após uma notícia sobre os acontecimentos na Noruega: que fatos tão ou mais atrozes ocorrem em países africanos todos os dias e mal tomamos conhecimento deles. É verdade: a África (ou as Áfricas, inclusive as nossas) não existe para nós. Por que será?

Nota importante: não pretendo sugerir, com a foto que me permiti usar neste post, que a humanidade de Hitler transpareça em seu conhecido afeto pelos cães. Mesmo porque é mais fácil, muitas vezes, nutrir afeto e piedade por seres ditos irracionais, ou, em todo caso, que não têm a complexidade e as contradições da alma humana, do que pelos homens que sofrem. E não custa lembrar que o treinamento dos oficiais nazistas - Tom Zé, citando Riana Eisler, informa isso no encarte de um disco seu - incluía abater animais domésticos, aos quais eles haviam se apegado, sem demonstrar emoções. Pensar Hitler como um ser dolorosa e  contraditoriamente humano não pode sugerir o apagamento do quão impensavelmente longe se foi aí - em seus atos - na detratação de qualquer sentido positivo que se pode atribuir a esse mesmo adjetivo: "humano".