VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

terça-feira, 14 de abril de 2015

De volta à sopa

Há tanto tempo que eu abandonei isso aqui às traças que, se elas quisessem, poderiam me expulsar alegando usucapião. Em todo caso, não vou me preocupar em expulsá-las. Se elas ocuparam os espaços deixados vagos por tantos assuntos que eu deveria ter abordado aqui se fosse fiel aos compromissos assumidos comigo mesmo, que fiquem onde estão – provavelmente, aliás, vão se reproduzir e espalhar por outros espaços, porque eu não nunca pretendi e muito menos pretendo agora ocupar todos. Mesmo assim, se quero o benefício de um leitor que seja, acho que preciso fazer meu mea culpa. Porque se eu posso dividir a responsabilidade desse sumiço com algo, é com o meu atordoamento, já que o deprimente processo eleitoral do ano passado e, sobretudo, a insensatez discursiva que o acompanhou e ainda se sucede a ele me tornaram um bocado cético quanto ao papel da internet como espaço de cultivo de uma consciência crítica ou benéfica em qualquer sentido.

Mas claro que isso é uma grande injustiça. A internet é parte de um tipo de “expansão da consciência” que pode não ser a coisa mágica dos esotéricos mas que certamente existe. É preciso, no entanto, escolher os espaços; e o fato é que o espaço público e discursivo a que mais me dediquei nos últimos anos simplesmente não me serve. Não vou negar sua importância, mas a mim ele não serve. Tenho a impressão de que o Facebook (acho que as maiúsculas soam mais saudavelmente impertinentes que as minúsculas, constitutivas da própria marca) tem como grande resultado esvaziar as pulsões íntimas mais fortes que conduzem um sujeito à escrita, assimilando-as a esquemas simplificadores e levianos. Por mais séria que seja uma postagem, a procupação com os julgamentos alheios quase sempre predomina, e estabelece o primado dos mecanismos de conveniência ou exibicionismo. Claro que para muitos isso é parte de processos de sociabilidade e desrecalque decerto importantes, mas de minha parte estou saco cheio disso: não só de ser conivente como de me sentir praticando isso.

Este blog miserável, por menos leitores que tenha (e acho que eu consegui perder os poucos que tinha), ainda é um espaço no qual me sinto à vontade de uma forma mais efetiva para dizer o que efetivamente penso e sinto, e no qual posso tratar com um pouco mais de vagar de questões que eu acho que merecem isso.

Mas, enfim, por enquanto é isso: só pra dizer que os arquivos críticos (sim senhor, com o benefício das minúsculas) estão de volta. Não esperem grande coisa, aliás, não esperem nada. Não porque saber esperar não seja uma virtude nesses dias em que as sombras voltam a se adensar ante o fim de mais uma ilusão prolongada (cujo início não data dos governos Lula, e sim da neoliberalização do Brasil), mas porque a experiência comprova que isto aqui não merece o crédito exigido pelas grandes promessas. Isto aqui é no máximo como a sopa ralada de Jards & Wally – é uma forma também, afinal, de voltar àquela grande merda líquida, como a definiu um amigo. Com a diferença de que, graças aos deuses, nesta aqui ninguém precisa curtir porra nenhuma.