VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Rolê, rolezinho ou rolezaço, tamo junto


Hoje, em Campo Grande, acontece algo que, se não for inédito, talvez seja quase: um evento que reúne expressões do rap e do rock da cidade. É muito provável que eu esteja enganado – tomara que esteja –, mas o que eu vi mais perto disso, até agora, foi a noite (na verdade houve mais de uma) em que o Holandês Voador abriu as portas para a galera do rap e hip-hop. Foi uma noite exclusivamente deles, mas na qual assuntos como o parentesco do rap com o rock e o punk, a necessidade de união das tribos etc., circularam em mais de uma roda. Afinal, o Holandês Voador é (ainda é, mesmo temporariamente naufragado) o templo do rock de Campão.

Hoje, porém, a 6ª edição do Rolê Rolista tem expressamente esse objetivo: unir o rock e o rap de Campo Grande. Entre os artistas, estará presente o rapper Dumatu, que recentemente apareceu nos noticiários do Estado denunciando tortura sofrida por policiais, após ser detido devido a uma infração que não negou, pelo contrário, assumiu completamente. Esse sujeito de rara coragem – de peitar o poder, de assumir seus erros e de se engajar em causas válidas (confiram aqui o clipe de “Kaiowá Guarani”) – abre esse evento igualmente corajoso.

Mas este não é mais de meus posts sobre a cena musical de Campo Grande. Minha ideia é propor uma reflexão antecipada sobre um evento que ainda está por ocorrer, mais exatamente sobre suas motivações. Acredito que já existisse essa demanda, de criar eventos unindo o rock e o rap na cidade. Mas é curioso que ela se concretize agora, quase paralelamente, além dos fatos envolvendo Dumatu (e, antes dele, outro rapper e ativista da cena musical de Campo Grande, o multi-artista Dudu Miranda), aos chamados “rolezinhos”.

Não estou supondo que a galera do rap seja a mesma dos rolezinhos. O rap e o hip-hop são exercícios de consciência crítica e de expressão musical-corporal. Os rolezinhos são curtições em shopping-centers, que muita gente “crítica” de classe-média não demorou a taxar de coisa de alienados. O que pode até ser verdade (embora eu me pergunte quantas dessas pessoas “críticas” não vão ao shopping), mas não desmente o mérito que os rolezinhos tiveram de colocar em pauta o anseio de diversão dos jovens da periferia. Sim: diversão, às vezes, é solução sim, como diziam os Titãs. Provisória que seja, mas quem entre nós, roqueiros “brancos” e remediados, abre mão de nossas válvulas de escape?

Deve chegar o dia em que não serão mais necessários rolezinhos, em que rolezaços como o que deve acontecer hoje à tarde se espalharão pelo Brasil. Mas esse vai ser o dia, provavelmente, em que nunca mais se amarrarão negros pobres no poste ou na calçada, e talvez ele ainda demore um pouco. Até lá, vamo que vamo... sempre em frente porque não temos tempo a perder.

Já disse, num post anterior (justamente sobre a noite rapper do Holandês), que o rock tem muito o que aprender com a galera do rap. Disse isso como diletante metido a roqueiro, e congratulo, agora, a galera do rock que promove o Rolê Rolista pelo espaço que abrem para o rap. Suponho que o pessoal do rap também tenha o que aprender com o rock, mas não conheço a realidade deles o suficiente para dizer exatamente o quê.

Pra fechar, registro que esse evento tem como patrocinador um novo estúdio musical de Campo Grande, que, acredito, tem como proposta a mesma do evento, ou seja, ser um canal para o rock e o rap da cidade e do Estado. Tomara que ele seja fiel a essa proposta, tornando-a realmente viável.

Digo isso porque outro dia um amigo de nome sonoro, Jorge Ostemberg, me pediu para que escrevesse algo sobre empreendedorismo, uma questão que tem me interessado mas sobre a qual descobri que não tenho nada a dizer, a não ser isso: que há empreendimentos que podem valer a pena não pela alta rentabilidade que extraem ou prometem, mas pela importância e coragem do que realizam.

Vida longa ao rock, ao rap e à musica de Campo Grande!