VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

sábado, 7 de janeiro de 2012

É tão estranho...

A dupla de postagens que se segue deveria incluir uma terceira, sobre outra perda relevante e, como a do Redson, recente: a de Daniel Piza. Li poucos de seus textos, pelo simples motivo de que meus caminhos virtuais são outros. Mas os poucos que li - além de trechos de sua biografia de Machado - me deixaram a certeza de um espírito lúcido, sadio e, por isso mesmo, inquieto. E penso comigo se não foi essa inquietação - política, social, humanística -, mais do que isso que se chama genericamente "estresse", que o levou tão cedo.

Daniel Piza
Como talvez tenha ocorrido, conforme aventou meu amigo e irmão espiritual Sebastião, com o Redson, vítima de uma úlcera que pode ter evoluído de uma gastrite nervosa. E, no entanto, a inquietação era parte da saúde espiritual desses grandes caras, como era de Tagore, como era do nosso Sócrates. Nem sempre a divisa "Mens sana in corpore sano" é verdadeira. Mais verdadeiro, infelizmente, é o verso que completa o que intitula este post suplementar: "Os bons morrem jovens".

Versos do mesmo poeta, Renato Russo, que também denunciou que "há tempos são os jovens que adoecem". Mas são esses mesmos jovens, incluindo Renato, incluindo Jim Morrison e tantos outros, que permanecem sempre jovens. Não porque morreram cedo, mas porque, embora às vezes ao preço da autodestruição (Renato Russo, como se sabe, praticamente se entregou ao HIV), permaneceram íntegros: permaneceram bons. Quem sabe um dia seja diferente, e os melhores não partam tão cedo.

Como Tagore (e Sócrates), meu pai, Antônio Heleno Carbonel Paz, morreu vítima do alcoolismo, e, como Redson, aos 49 anos. (Jovem ainda, acreditem: somos quase todos muitos jovens, pois os homens poderiam - e deveriam - viver muito mais.) Por isso dedico essa pequena sequência de textos à sua memória.

3 comentários:

  1. Belo texto, Ravel. Me lembrei de um trecho do livro Memórias do Subsolo, do Dostoiévski, em que o protagonista, exemplo de um espírito inquieto e angustiado com a sordidez da sociedade russa, que estava entrando na era capitalista, afirma que é imoral um homem viver além dos quarenta anos. Neste tempo sombrio é sinal de saúde e dignidade ficar "doente" e morrer jovem, pois ficar saudável em uma sociedade profundamente insana é um sintoma grave de embotamento.

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  2. Realmente uma perda lastimável. O Brasil realmente deveria chorar pela morte de Redson, a perda foi realmente substancial dado que, ultimamente em nosso país, as coisas não andam tão favorável para a parte músico-intelectual, visto a grande proliferação de bandinhas totalmente comerciais. Infelizmente o Brasil não valoriza seus músicos, e os que não se inserem dentro do contexto sociocultural do que eles pensam ser o melhor, é totalmente ignorado pelas mídias. Sem sombra de dúvidas uma das mais representativas bandas do contexto punk rock nacional, consagrada pelas "esquinas underground" da vida musical. CÓLERA é uma das pilastras do desenvolvimento dos estilos não convencionais dentro do nosso país, Edson "Redson" Lopes Pozzi, foi um músico extraordinário. Em sua primeira fase suas composições eram de cunho denso, pesado e agressivo tanto as letras, como a parte instrumental se utilizava da revolta como pilar central, na segunda metade concretiza-se um antítese e percebesse letras que anseiam por justiça, porém, pela via da paz e da conscientização. Nos dias atuais não se encontra tal substancia, tanto no quesito das letras como no item Estrutura Musical. O ritmo direto, a bateria ditando um ritmo alucinógeno, a linha da guitarra visceral e o baixo dando contorno e pulsação precisa, se tornaram algo que as abomináveis modinhas estão destruindo paulatinamente, deixo aqui meus pêsames e méritos para um grande e incomparável músico brasileiro, ou em linguagem coloquial Redson o porá loca do CÓLERA.

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  3. Valeu, Tião. Valeu, Igor. Obrigado pelos comentários. Igor, em se tratando você de um virtuose na guitarra, num dos gêneros de rock mais difíceis, o trash metal, certamente o Redson ficaria honrado com seus elogios. Mas, de fato, alguns riffs dele eram de primeira. A música que eu postei, "São Paulo", é uma das minhas preferidas, do Cólera e de tudo o que eu já ouvi. E mais atual do que nunca: "A violência da polícia / Puta merda, que vergonha / Quando isso vai mudar? / Puta merda de lugar".

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