VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Melancholia como antiepopeia


Invocação aos letrandos

Ontem, dia 20 de junho, eu vivi um dos desafios mais importantes de minha vida profissional: a responsabilidade de falar publicamente sobre o filme Melancholia (com h, como faço questão de escrever e conforme explico nesse outro post), de Lars “von” Trier. Digo profissional porque a fala – a convite de meu amigo Sebastião, coordenador do projeto Cinema e Utopia, que promoveu a exibição do filme – foi também uma atividade acadêmica substitutiva de uma aula da disciplina “Estudo do Texto Literário: Drama e Épica”, que eu ministro na UEMS. E digo um dos desafios mais importantes porque considero esse filme um dos mais importantes já realizados no cinema mundial, e isso não só por suas qualidades estéticas como por sua seriedade: pela seriedade dos temas que trata e pela seriedade com que os trata (pois há outros filmes “sobre o fim do mundo” muito menos sérios).

Enquanto atividade acadêmica, a exibição do filme tinha – aliás, no momento em que escrevo ainda tem – o objetivo de estimular uma reflexão sobre a leitura de Georg Lukács das epopeias homéricas no início d’A teoria do romance. O que pressupõe, naturalmente, a possibilidade de traçar alguma relação entre o filme de Trier e essas epopeias. Ao longo da exibição do filme, no entanto, me convenci de que pautar minha fala nessa discussão produziria uma redução muito grande do filme em si mesmo, principalmente para os outros espectadores, que eram uma parte considerável da plateia e não conheciam o texto de Lukács. Além disso, a exibição inteira foi marcada por um problema que se tornou um assunto prévio obrigatório em minha fala: a cópia que tínhamos era dublada, ou pelo menos não conseguimos acionar o idioma original. Isso, num filme de arte, gera prejuízos enormes, pois as dublagens ficam sempre muito aquém do tratamento que o diretor e os atores concedem às entonações de vozes.

E, de fato, muito da densidade humana contida nos tons de voz se perdeu, principalmente nas partes mais dramáticas do filme; sobretudo, como acentuei em minha fala, no que diz respeito ao sofrimento da personagem Claire (sobre a qual falarei muito pouco neste post). Algumas risadas na plateia me convenceram definitivamente disso. Dessa forma, optei por fazer uma fala totalmente antididática: ao invés de trabalhar questões teóricas ou mesmo apresentar uma interpretação mais ou menos coesa e coerente do filme, esforcei-me por comunicar meu entusiasmo e, mais que isso, meu reiterado pasmo diante dele; minha sensação de sua força e sua grandeza, prejudicadas – sobretudo em sua dimensão humana – pela dublagem. Tentei fazer algo semelhante à estética do choque de Charles Baudelaire: algo como uma aula de choque.

No fim das contas, esse procedimento talvez seja o mais condizente com a complexidade e a profundidade de um filme – ou outra obra qualquer – como Melancholia. Muito mais do que respostas, Melancholia apresenta questões, provocações. Ainda assim, o esforço de pensar essas questões de uma forma mais sistemática também é necessário, e este post constitui uma tentativa de suprir, parcialmente, é claro, essa lacuna. Como uma das formas de fazer isso é justamente pensando a relação entre Melancholia e as epopeias homéricas, este post também servirá de estímulo para uma atividade reflexiva e discursiva – ou seja, uma pequena produção textual – de meus alunos em torno disso. 

Esclarecendo minha estratégia didática/paradidática, meus alunos serão orientados a produzir um comentário livre sobre essa questão (as relações inferíveis entre Melancholia e a leitura de Homero por Lukács), tomando ou não este post como ponto de partida mas, em todo caso, postando essa pequena produção textual como um comentário a ele. Quem quiser, pode assinar seu comentário com pseudônimo, informando-me sua identidade pessoalmente ou por e-mail. Trata-se de uma atividade (e uma experiência) simultaneamente didática e paradidática porque além dos objetivos crítico-didáticos, ela também visa estimular a intervenção crítica em espaços virtuais.

Melancholia: uma antiepopeia extrema?

Muitos conhecem as palavras com que Georg Lukács inicia A teoria do romance: “Afortunados os tempos para os quais o céu estrelado é o mapa do caminhos transitáveis e a serem transitados, e cujo rumo a luz das estrelas ilumina”. No decurso de um longo parágrafo, o teórico húngaro tece um comovido elogio a Homero, como uma espécie de testemunha de um tempo de unidade plena entre o homem e o mundo. Um tempo não isento de conflitos, mas em que as próprias contradições humanas acham-se como que previamente glorificadas e legitimadas pela quase identidade entre o mundo dos homens e o mundo dos deuses. Os deuses gregos não apenas contêm traços extremamente humanizados como habitam praticamente o mesmo espaço (o monte Olimpo e, no outro extremo, o Hades, são locais situados na geografia grega, e não em planos transcendentes) e participam dos mesmos conflitos que os homens.

Nessa humanização tão transparente, os deuses homéricos glorificam tanto as virtudes quanto as baixezas humanas, e por isso o homem está a salvo das inquietações espirituais: tudo no mundo contém uma face humana. E tudo isso a epopeia celebra; a toda essa altivez humana a epopeia tenta fazer justiça em suas próprias dimensões e no canto solene e entusiástico dos feitos (ainda que dolorosos) de seus heróis. Heróis grandiosos por seus feitos individuais mas também enquanto representantes maiores de uma raça de heróis; uma raça que se orgulha desses feitos, tenham eles raízes históricas ou não, mas sempre dignificados pelo revestimento mítico.

Não é difícil, para quem assiste Melancholia, perceber que esse filme é quase o contrário absoluto de tudo isso. Mas eu faço questão de sublinhar todas essas palavras porque todas elas são importantes, inclusive o quase. Pois pelo menos num item fundamental o filme de Trier é muito semelhante à epopeia homérico: em sua pretensão de uma grandiosidade, de uma espécie de majestade. O que em Homero se realiza pela solenidade dos versos decassílabos, no filme se traduz na solenidade das imagens iniciais, em câmera lenta, acompanhadas de uma música igualmente solene, e que serão retomadas no final, quando, após um “miolo” mais realista e de registro estilístico mais rebaixado, um tom mítico-simbólico voltará a predominar no filme.

Dessa forma, essas imagens também condensam o que se pode chamar de resíduo mítico em Melancholia. A cena que abre o filme, quando pássaros caem por trás do rosto atordoado de Justine, de forma muito semelhante a anjos caindo; a cena em que um cavalo cai dolorosamente, como que puxado para trás, por uma força gravitacional estranha, anormal; ou mesmo a cena em que Justine, vestida de noiva, tenta angustiadamente se livrar dos cipós que a prendem; e ainda a cena em que, também vestida de noiva, ela boia como um cadáver (embora com uma expressão beatífica) num rio; todas essas cenas, que parecem remeter aos sonhos algo proféticos ou premonitórios da própria Justine, têm uma expressividade simbólica muito próxima à do mito. Justine, aliás, tem algo de uma figura recorrente nas epopeias (e nas narrativas com elementos míticos em geral, incluindo a Bíblia) que é a figura do vidente, do profeta: daquele que vê o que os outros não conseguem ou não querem ver.

Aliás, mais do que resíduos míticos, essas imagens constituem uma reconfiguração de elementos míticos em um contexto radicalmente antimítico, um contexto de quase completo desencantamento e desamparo existencial e metafísico. O que é amplitude repleta de vida na Odisséia e mesmo na Ilíada (apesar de tantas mortes ocorrerem em ambas) em Melancholia é amplitude vazia, despida de essência e vida humanas; uma espécie de desertificação da existência, plasmada sobretudo nos jardins rigorosamente planejados da mansão de John. Mesmo quando o “colorido da vida” predomina, como na longa parte dedicada ao casamento de Justine, essa “vida” é tão mesquinha, tão explicitamente falsa e regida pelas aparências, e o ser humano vale tão pouco diante dessas aparências e demandas mesquinhas (as aparências mandam tanto que o mestre de cerimônias, ofendido pela falta de cerimônia da noiva, se recusa a olhar para ela), que a própria vida surge como algo miserável, por vezes quase rastejante.

Aqueles que na epopeia teriam a função de transmitir ensinamentos, de zelar pela verdade e pela justiça, em Melancholia revelam-se os mais mesquinhos: o pai de Justine, quase um ancião, ao invés de sabedoria transpira devassidão moral (ele chega a chamar a filha de “Beth”, como chama todas as suas amantes); o patrão, longe de conter algo da dignidade de um rei que zela por seus súditos, é um indivíduo arrogante ao extremo, que, oculto sob uma máscara de benevolência, impõe à empregada a obrigação de criar uma frase publicitária na noite de núpcias, e a um jovem empregado a obrigação de extrair dela essa frase, sob pena de ser demitido. Na segunda parte, centrada na vida familiar de John – um “mundo fechado”que é ao mesmo tempo um espelho das angústias modernas , a suposta soberania da razão mostra-se pronta a se tornar desespero tão logo se revele falha. Os velhos agem como crianças inconsequentes, e a única criança do filme parece um velho precoce (em algumas cenas, os cabelos do menino parecem grisalhos).

O que é unidade ideológica na epopeia torna-se aqui uma espécie de estrutura bipolar, evidente nas inversões de situação ou configuração moral e psicológica dos personagens nas duas partes. Se na Odisséia o impulso por aventuras conduz a alma pelo mundo, em Melancholia o confinamento ao espaço fechado do rito simbólico é imposto por uma força ou vontade obscura. Se em Homero cada ato dos personagens espelha sua alma, como se a alma fosse tão ou mais interior do que exterior), no filme de Trier a própria alma está em questão. E, no entanto, o próprio planeta destruidor é uma espécie de reflexo ou emanação dessa alma niilista, dessa alma que duvida de si mesma (mas também algo maior do que ela, ou do que esse desamparo a que ela se reduziu ou ameaça reduzir). Por isso intitulei meu outro post “Melancholia, morte e alma do mundo”.

Ao mesmo tempo, Melancholia é um filme onde certo heroísmo é um dos elementos mais importantes. Nada a ver, entretanto, com o heroísmo hollywoodiano, onde o bem e o mal se separam como água e óleo. Trata-se, pelo contrário, do heroísmo tortuoso, confuso e cindido da própria Justine, com sua ânsia de não se entregar ao mundo de falsidade; um heroísmo que, na segunda parte, inverte-se numa crueldade quase absoluta, mas que se recompõe, e de forma mais completa, no final, quando ela constrói a “cabana mágica” para “proteger” a si mesma, à irmã e ao sobrinho. Um heroísmo ligado a um sentido de inocência ou pureza que, como o Sebastião acentuou muito bem, liga a personagem aos animais e à própria criança. E não importa se esse heroísmo fracassa “na prática”, pois é da situação espiritual do homem contemporâneo que trata Melancholia. É ela que a própria melancolia, assim como o planeta “Melancholia”, condenação e alma do mundo, simbolizam.

Um mundo, como se vê, muito distante do mundo pleno, povoado de deuses e de sentido humano dos gregos, e onde o medo do nada, da aniquilação absoluta (figurado sobretudo em Claire e seu marido, John), se tornou imperioso. Um mundo onde o mapa estrelado dos caminhos transitáveis” de que fala Lukács foi substituído por uma rota catastrófica, condenatória; um mundo do qual os deuses (ou, no caso, Deus) foram enxotados pelo materialismo extremo – o culto do dinheiro, das aparências, da propriedade, da ciência –, mas que parecem “retornar”, de forma residual, sinistra e impessoal na forma de um corpo celeste; um “mero” corpo celeste, no entanto, dotado de uma espécie de onipotência cósmica. E um corpo celeste, além disso, com cuja “alma” de certa forma a alma da própria Justine se comunica; com a qual, a bem da verdade, ela chega perto de fazer amor. Em suma, há realmente algo de uma dimensão mítica nessa personagem, tão íntima da espécie de planeta-deus, “Melancholia”, que porá fim à vida na Terra.

Mas enquanto essa dimensão mítica se espraia plenamente por cada recanto do canto épico, em Melancholia ela (ou, talvez, a consciência dela) tornou-se privilégio de uma mulher transtornada. Como se apenas no transtorno, quase na loucura, em tudo que é contrário ao mundo regulado e coisificado, é que fosse capaz de emergir um sentimento capaz de ligar o ser humano a algo maior do que ele. Numa palavra, ao sentimento do Sagrado. 

E, no entanto, de alguma forma a nobreza do ser humano, mesmo esmagada, humilhada, reduzida a farrapos, pode ser entrevista o tempo todo em Melancholia: na ingênua altivez científica de John, que, somada a seu amor pelo filho, o torna um personagem quase nobre na segunda parte (e que o reveste de uma dimensão trágica quando essa altivez se transforma em insegurança e covardia); no amor, deformado e egoísta mas autêntico, do pai de Justine por ela; na nobreza com que o mordomo, depois ser submetido ao ridículo por aquele mesmo personagem, atende prestamente ao pedido de Justine para que arrume um quarto para ele; na nobreza do jovem “usado” por Justine e que, quando ela “cai em desgraça”, lhe oferece seus préstimos; na nobreza do próprio noivo, que, desprezado e humilhado em plenas núpcias, despede-se de Justine com um gesto carinhoso.

Nesse último caso, naturalmente, há uma “questão penelopiana” em jogo... E em tudo isso, a meu ver, o filme de Trier pode ser classificado como uma antiepopéia quase extrema, com uma atenção extra para esse “quase”. Pois a beleza e a grandeza de alma da epopeia ainda estão, de alguma forma, presentes em Melancholia e seus personagens. E não, é claro, uma epopeia no sentido estrito do gênero épico (como o define, por exemplo, Anazildo Vasconcelos da Silva), e sim no sentido do objetivo que Lukács atribui à epopeia e depois ao romance: o de produzir um espelho amplo para seu mundo de origem, um mapeamento, muito mais que de seus acontecimentos, de seus anseios, conflitos e esperanças.

Quem quiser discutir comigo essa questão, fique à vontade. Senão, que diga o quiser sobre o assunto. Dirijo-me a meus alunos, é claro, mas o convite é extensível a todos os leitores.


Nota póstuma:): Ao contrário de meu post anterior, onde – seguindo a opinião do escritor Reinaldo Moraes em seu livro Pornopopéia –, preferi manter a acentuação da palavra epopeia (cujo acento caiu na última reforma ortográfica), não me valho aqui dessa liberdade poética (e licença gramatical provisória: o novo acordo só será obrigatório a partir de 2013). Não só porque este é um post mais sério mas também porque Melancholia – como o próprio livro de Moraes – é também uma espécie de peia. Aliás, contrariando um pouco a leitura de Lukács, parece hoje evidente que toda epopeia é também uma espécie de peia. Que o digam Ulisses, Aquiles e outros heróis.

56 comentários:

  1. No mover, borbulhante, do sentimento empírico de sobrevivência, penso ser um dos pontos mais gritantes o instinto de loucura pelo viver. Em termos gerais, dentre todas as análises que o filme abarca, podemos, assim como Ruben Alves em 'Concerto para corpo e alma', repensar o sentido real da vida. Na mistura do mítico, do irreal, com nossas relações terrenas, o filme gera não só interpretações mas dúvidas.
    Penso ser válido uma análise relacionada, em geral, ao sistema e suas amarras. Seus "fantoches" trajados com máscaras, nem sempre de gala, em uma grande representação teatral em que a vida, alma e espírito são as personagens principais.

    Wagner Assen

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Belo comentário, Abdul! Se quiser adicionar algo (não é uma intimação, rs) sobre a dimensão espiritual do filme, você que é muito embasado nessas questões, fique à vontade. Aliás, isso vale para todos os alunos: não é preciso se limitar a um comentário. Este é um espaço de discussão crítica: de formulação, reformulação, ampliação, modificação, confirmação etc. de ideias. Grande abraço, e muito obrigado!

      Excluir
  2. O Wagner, exercendo sues direitos juvenis, passou à minha frente e escreveu o primeiro comentário ao post, sendo que eu mesmo (vejam só que babaquice) pretendia ter esse "privilégio". É que em algum momento, voltando pra casa ontem à noite, eu pensei se o título melhor para o post talvez fosse "Melancholia como antiépico", e não "antiepopeia", pelo sentido mais geral, menos preso à ideia de um gênero literário, que a palavra épico possui. Pois é óbvio que Melancholia não é uma epopeia, e nem, portanto, uma antiepopeia, no sentido de algo que se configura em oposição a textos literários. Mas depois pensei que, ainda assim, é uma espécie de canto de destruição para um mundo em decadência... Na verdade, em termos de emulação de outros gêneros ou expressões artísticas, acho que se pode dizer que o filme se esgarça entre o canto mais lírico (mas doloroso) e a comédia mais bizarra, com todas as aspirações míticas e redentoras no entremeio ou em volta disso.

    ResponderExcluir
  3. Muito agradecido Ravel, mas o fato é que não sou tão embasado assim, apenas arrisco palpites de juventude exploradora e questionadora.Mas mesmo assim agradeço!
    Mas se me permite,jé me desculpando pela 'poli', não foi a intenção tomar o posto, RS RS...
    Vejo como mais que interessante esse questionamento espiritual, até por ser esse assunto uns dos mais intrigantes e questionáveis do ser humano, e que causa incontáveis duvidas. Penso que isso tudo é tão complexo, e como falamos, talvez até transcenda a inteligência humana. Se cabe, é possível analisar a questão "anti-sistema" como mandamento apostólico. Paulo em suas cartas fazia, dentre todos os ensinamentos, esse alerta, quanto aos moldes, padrões e toda podridão que é enredo das relações interpessoais.

    Abraço!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Wagner, já que o assunto é epopeia eu vou me permitir recuperar o que você disse, em sala, sobre Paulo e Barnabé terem sido confundidos com deuses gregos ao realizarem uma cura, e que Paulo foi incisivo em negar isso. Acho que essa distinção é necessária não só teológica como filosoficamente, porque a atenção às relações humanas como algo essencial na vida individual é uma conquista inalienável do cristianismo que toda a filosofia, o pensamento social etc. modernos herdam. E há uma dimensão profundamente cristã em Melancholia, como aliás o Tiago e o Tião começaram a discutir depois do filme. Mas é difícil depurar o sentido dessa dimensão, mais exatamente o tipo de sacrificialismo implicado nela.

      Excluir
  4. Sem dúvida, realmente concordo. Até pode parecer epifania, mas pode sim nos remeter a toda essa teologia, em instantes quando se percebe o perdão e até a crença em algo melhor, além ou futuramente! Quanta filosofia, altamente construtiva!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. obs:(completando) ao mesmo tempo que a esperança dialoga com desesperança. Existe a crença no algo melhor e oposição, de poder pensar que não existe solução e que tudo realmente está perdido, e que o fim(talvez trágico) é só o que lhe resta.

      valeu ! abraço .

      Excluir
    2. Oi, Wagner! Eu penso assim, também. Quer dizer, até onde vemos o fim é trágico, mas a Justine conclui sua "missão" de cura, de si e da família. Abração!

      Excluir
  5. Se for pensar em Lukács, e com base nele estabelecer uma relação entre Melancholia e uma epopéia, eu arriscaria dizer que a primeira parte do filme mostra os homens separados com suas finalidades e relações pessoais, das finalidades da totalidade. Nessa parte entraram os rituais que tentam, inutilmente, suprir às necessidades de grandeza, desdobramento e plenitude da alma humana. Essa impotência dos rituais em suprir a alma humana é o que joga Justine no chão, afinal ela já tinha tudo que a sociedade moderna pode oferecer e não se realizava.
    Já na segunda parte, o cenário é outro, como no tempo das epopéias, o filme volta-se para o destino de uma coletividade. Antes derrotada, Justine agora, sente-se em casa diante da grandeza do destino que os aguarda. Agora ela é está no lugar do herói que não teme seu destino, ao contrário goza em desfrutá-lo. É com força dela que os outros personagens envolvidos seguem para o destino fatídico.
    Um abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Lígia, além de muito bonito, seu comentário é excelente. De fato, embora seja menos movimentada que a primeira, a segunda parte corresponde mais ao espírito da epopéia. Mas o seu grande achado, a meu ver, é essa ideia de que "Justine agora, sente-se em casa diante da grandeza do destino que os aguarda", o que é perfeito na leitura via Lukács, assim como o resto do comentário: "Agora ela é está no lugar do herói que não teme seu destino, ao contrário goza em desfrutá-lo. É com força dela que os outros personagens envolvidos seguem para o destino fatídico". Excelente mesmo. Obrigado!

      Excluir
  6. ROSANGELA CRISTINA HENRIQUE23 de junho de 2012 às 21:18

    O filme não apresenta personagens nobres ou deuses que mesmo possuindo características humanizadas são seres superiores como na epopéia. O filme não apresenta a nobreza da epopéia de Homero, por não apresentar uma mesma unidade psicológica, por ser bipolar, já na epopéia tudo tem uma mesma unidade entre a vida dos homens e os deuses. Por isso o filme pode ser considerado uma anti-epopéia, embora apresente uma dimensão mítica com o planeta que irá extrapolar as suas dimensões. De acordo com Lukács o filme trata de questões metafísicas. Como a morte, a questão psicológica, moral, familiar, etc.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Rosangela. É verdade quanto à ausência dos deuses (apesar do planeta se assemelhar um pouco a um), mas seria bom pensar um pouco mais nessa questão da nobreza dos personagens: alguns deles cometem atos nobres. No final, quando você cita Lukács, dá a impressão de que ele assistiu ao filme. Mas acho que eu entendi o que vocês quis dizer: que, a partir da leitura de Lukács da epopeia, são essas questões que sobressaem no filme, não é isso?
      Se quiser, fique à vontade para escrever um comentário mais desprendido do post, expondo mais seu próprio ponto de vista sobre o filme. Obrigado e um abraço!

      Excluir
  7. Ao tentar estabelecer uma relação entre o texto de Lukács e o filme Melancholia, percebi que não estão necessariamente relacionados, pois estão baseadas em valores opostos.
    Enquanto na epopeia vemos uma multiplicidade de valores em seus personagens, pessoas de caráter forte e invioláveis, aventureiros tão nobres, que até se assemelham a seres supremos, como os deuses. Onde a alma é realmente essência e vida, ser e destino, aventura e perfeição, as quais adquirem definições idênticas. Já em Melancholia existem almas verdadeiramente atormentadas e aterrorizadas pelo destino, ou pela interrupção dele, apenas Justine se mantém inerte a esse fato. A contradição de epopeia está principalmente na primeira parte do filme, onde é perceptível a falta de caráter e de moral das personagens em um todo, na ânsia de manter as aparências, Justine é de certa forma repreendida por sua irmã Claire, por não ter agido de maneira "normal", onde ela não deixa de ser infiel.
    A tentativa de rendição aparece em Melancholia apenas diante da morte, onde a unidade (que na epopeia perpassa pela história inteira)aqui, apenas à vista do fim. Onde não consigo visualizar muita nobreza em haver perdão somente nesta situação, pois no decorrer de toda a existência foram pessoas mesquinhas e despreocupadas com o próximo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Carina, seus comentários são muito pertinentes. De fato, Melancholia comporta uma inversão quase completa do espírito das epopeias, principalmente pelo sentimento de desolação e desencantamento. A questão que você coloca no final é muito importante: será que apenas o momento extremo aproxima as pessoas? É difícil responder, mas é importante lembrar que da parte de Justine há certa generosidade (apesar da grande crueldade antecedente), pois ela não está propriamente angustiada com a aproximação do planeta. Obrigado e um abraço!

      Excluir
  8. JÉSSICA MOREIRA DE OLIVEIRA28 de junho de 2012 às 13:15

    Na épopéia temos os heróis,misticismo e fatos históricos lendários.Em Melancholia temos a Justine,uma heroína ao contrário,ao mesmo tempo que ela tem gestos de perversidade,ela não consegue conviver em uma sociedade mascarada,percebemos também a ligação sobrenatural de Justine com o planeta,como no prólogo do filme os dedos dela se ligando por meio de uma luz a algo transcendental.O filme traz questões da subjetividade humana,da forma como lidamos com situações que envolvem o fim da nossa existência ,Justine lida de forma como se fosse uma limpeza geral da hipocrisia humana,já Claire fica desesperada com o fato de seu filho não ter onde crescer,trazendo no final do filme uma angústia profunda misturado com choro de piedade e conformação.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito bem, Jéssica, você sublinhou elementos fundamentais do filme. A questão da "limpeza" pode ser comparada com o final da Odisséia, lembrando que Zeus intervém no sentido de evitar que o massacre se prolongue. Seria possível comparar esse gesto de bom senso ("piedade" não seria bem o termo) com o acolhimento do menino e Claire por Justine?

      Excluir
  9. JÉSSICA MOREIRA DE OLIVEIRA28 de junho de 2012 às 13:28

    Sim,na hora que ela os acolhe é como se ela tivesse certeza de que o lugar que eles fossem seria melhor,e o choro de Clair também remete como se fosse uma limpeza do seu interior,da sua alma.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Realmente, Jéssica, a expressão de todos eles é muito significativa, no final, aliás, no filme inteiro. Não sei se existe a ideia de ir para outro lugar, mas também tenho a impressão de que, no fundo, Justine não acredita naqueilo que ela diz, que estamos sozinhos no universo. Mais uma vez, obrigado!

      Excluir
  10. Marlene Eliane dos Santos29 de junho de 2012 às 17:11

    A epopéia mostra nobreza heroica da alma dos gregos. Qualquer lugar do mundo era sua pátria, os deuses explicavam quase tudo a sua volta, viver era uma dádiva para eles. A idéia de destino era aceitavel, quase uma religião, o homem não podia fugir de seu destino, estava em paz com a vida. Melancholia e uma antiepopéia, porque os personagens estão em conflitos com eles e com o mundo. Estar no mundo era deprimente, quase insuportável. A personagem Justine, revela sua alma de antiheroina, no primeiro capítulo ela se revolta com a sociedade podre e de aparências na qual esta inserida. O fato de saber que e o fim da vida na terra, não ameniza o sofrimento da sua família. Pelo contrária é dura com eles e faz com que eles enxergem e superem seus proprios medos.Como o choro de Clair e a reconciliação das duas no final.
    e como se fosse um anjo que tinha a função de de levar sua família para o encontro da morte, um rito da cabana o de passagem.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Marlene, acho que você captou o essencial do filme. A diferença entre o estar-no-mundo dos heróis homéricos e no filme, que você sublinhou, é realmente gritante. Obrigado e um abraço!

      Excluir
  11. Elizete de Barros
    Levei alguns segundos para perceber que o filme se movia no compasso de como penso que se movem os planetas, mais que lentamente. De repente ouço a música e percebo que quase havia parado de respirar. Numa comparação paradoxal, vejo logo nas primeiras cenas, um enorme campo de batalha onde lentamente movem-se guerreiros em luta, quando na verdade eram pessoas tentando escapar da morte iminente. Não seria a deusa Atena disfarçada de Justine e frustrada desenvolve uma melancolia por se saber impedida de evitar a colisão de Zeus e Homero? Confesso que me decepcionei com John, fugindo covardemente daquela maneira. Vejo um pouco de Penélope em Clair, apesar de aparentar passividade, ela parece disposta a lutar até o fim pela vida sua, de seu filho e até de sua egoísta irmã Justine que como uma boa deusa era carregada de sentimentos humanos, os mais mesquinhos. Não era assim que os gregos viam seus deuses? Humanizados apesar de poderosos? Penélope à sua maneira luta para manter seu reino até que Ulisses volte.
    Li num comentário em que a pessoa dizia que os personagens agem no filme de maneira inversa que o esperado de quem tem a certeza da morte iminente. E quem sabe como vai agir de verdade se tivesse essa certeza, eu não sei como me comportaria, iria curtir tudo que podia ou ficaria estática a espera da morte? O final do filme não surpreende, pois, o inicio já revela tudo que vai acontecer, mas impressiona pela grandiosidade do gesto de Atena-Justine juntamente com todo poder que Melancholia-Zeus exibe ao consumir Ulisses-Terra.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Elizete!
      Suas associações são realmente impressionantes... A princípio, a que me parece mais sólida, além da de Melancholia com Zeus, é a de Claire com Penélope, mas as outras também são muito interessantes. Justine como Atena: a deusa da sabedoria, filha de Zeus, de fato também é muito sugestivo.
      Mas também seria possível ver Justine como Penélope à espera de seu Ulisses, Melancholia.
      Seja como for, é preciso esclarecer que essas associações se dariam num âmbito inconsciente, ou melhor, de herança e transformação dos arquétipos míticos e literários, mais ou menos como na linha de um Northorp Frye.
      Seja como for, são associações muito ricas.
      Muito obrigado!

      Excluir
    2. Sim, que bom que você conseguiu me acompanhar nessa viagem alguns mestres não conseguiram compreender.Eu tenho um mal hábito de fazer analogias e sobre Melancholia daria para tecer horas nessa viagem. Sua sensibilidade me comove e deixo meu agradecimento pela sua análise que é muito importantr para mim e não só por você ser o mestre, mas por eu realmente respeitar sua opinião.É claro que ainda estou meio verde nesse mundo analítico/literário mas estou aprendendo.Para concluir só queria dizer que vejo a vida como numa epopéia cotidiana, a luta constante, matar um leão por dia para se manter no contexto capitalista e nossas esperamças de que deuses nos ajudam mas também exigem uma paga e uma boa paga seé que me entende.Obrigada!

      Excluir
    3. Acho que entendo, sim. E sou eu quem agradeço! Um abraço!

      Excluir
  12. Diante aos sábios comentários de meus amigos, fico até envergonhada de colocar minhas humildes observações, mas muito mais humilde será minha nota caso seja dominada pela minha humildade. Então, lá vamos nós!
    O filme tem diversos aspectos que julgo de muita importância, à começar por um dos fatos que mais me chamou a atenção, foi a tentativa de Justine se enquadrar em uma sociedade corrompida por sexo, poder e status, entretanto como nada é por acaso, tudo é funcional,o próprio nome da protagonista nos diz que nunca terá a mesma sintonia daquela pequena parcela representante da sociedade contemporânea, Justine - nome de origem francesa, variante de Justina, cujo significado é " A justa".
    Se o objeto de análise fosse os demais personagens,convidados, pai, patrão entre outros, poderíamos compará-lo a Odisséia de Homero, cuja movimentação gira em torno de reconhecimento pelos seus feitos, entretanto nossa protagonista tem um sentido inverso, deseja um mundo menos materialista e mais humanos, menos politizado e com mais autonomia. Justine termina a primeira parte totalmente fragilizada e desacreditada, assim inicia a segunda parte do filme, onde é dominada pela depressão, mas como Fênix, o pássaro de fogo, ressurge das cinzas, mas isso não significa que tenha recuperado a fé na humanidade. Clair faz o inverso, começa forte e autoritária para se mostrar fragilizada e exposta, com uma fobia desenvolvida pelo pavor da possibilidade de extinção do planeta Terra, enquanto Justine surge para mostrar a irmã que essa destruição é necessária, nos remetendo à Sodoma e Gomorra, cidades bíblicas destruídas por Deus por estar contaminadas pelo pecado. Para concluir, a imagem mais aterradora em meu ponto de vista, são os instantes que antecedem a colisão, a cena ficou muito humana, muito próxima da realidade, não como os filmes com investimentos estratosféricos, mas sim com uma visão particular, do que "eu" faria. A visão do Melancholia crescendo no céu e Clair se encolhe e se aterroriza no momento do impacto é apavorante e nunca uma cena apocalíptica me deu uma sensação de nossa fragilidade espacial, o silêncio, o escuro, o nada que se segue é o final perfeito, para um filme, não para mim. Pensio que tenho uma parte de mim que se assemelha a Justine, pois também odeio essa parte que busca manipular os menos favorecido, mas nem por isso desejo a extinção da raça humana, e como tenho uma parte Clair, quero um mundo para minha prole, mas em definitivamente o que eu não quero na ficção e muito menos na vida real é um marido que abandona o barco no momento da tempestade, esse Jhon foi uma vergonha, seria interessante um Melancholia II, só para ve-lo como uma alma sofredora no reino de Ades.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O que é isso, Marlene, seu comentário também possui muita sabedoria. Só fiquei um pouco apavorado com seus pensamentos em relação ao John, rs... Também acho que o filme contém um julgamento implacável, embora alegórico, da humanidade, e, de fato, John se mostra covarde, mas essa covardia também é um índice de humanidade. Não é o caso de justificar, mas de entender isso como parte da dimensão humana do filme. O que também se liga a uma questão alegórica: Trier critica, na figura de John, a falsa autossuficiência do racionalismo moderno. Muito obrigado, e um abraço!

      Excluir
  13. Melancholia é a vitrine da derrocada humana. Estreitar relações de heroísmo ou atitudes positivas entre a obra e outro tipo de comentário transcendental é impróprio, particularmente, para mim. Confesso que demorei para reconhecer esse fato. Subjetivamente encaro os reações de Melancholia como evidentes fatos diários de nossa sociedade atual, sem conceder ao diretor do filme sua licença poética, mas sim considerando um forte plagiador, se é que assim podemos dizer, da vida humana. Florear a sociedade é uma tarefa em que ainda teremos que plantar muitas e novas sementes e com grande paciência e benevolência aguardar os primeiros botões, se é que eles virão a surgir.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Leomar. Acho que a expressão "um forte plagiador da vida humana" é uma boa descrição para o realismo de Lars Trier. Mas veja que o filme não se atém a uma dimensão estritamente realista. Vejamos as imagens iniciais como "visões proféticas" de Justine ou apenas como poetizações autorais, o fato é que elas, no mínimo, sugerem elementos transcendentais. Mas acho que uma leitura centrada nas relações sociais, que veja esses elementos "adicionais" de uma forma alegórica, é perfeitamente legítima. Discutir o peso desses elementos é fundamental, e você teve o mérito e a coragem de definir uma posição objetiva diante dessa questão. Obrigado, e um abraço!

      Excluir
  14. Renata da Silva Nascimento30 de junho de 2012 às 18:35

    O que mais me impressionou no filme foi quando a energia do poste e de Justine começam a subir como que deixando o corpo, um pouco depois o próprio ar é retirado, trazendo a reflexão de o quanto a melancolia pode ser devastadora, sentimento em forma de planeta que veio para destruir a humanidade. Justine é a que esta mais próxima do texto de Lukacks mantendo-se alheia a tudo aceitando o destino sem questionamentos ou estranhamento, reconhecendo que essa sociedade hipócrita, materialista e definidora de comportamentos onde não se pode ou não se deve ter este ou aquele posicionamento não cabe nesse mundo, diferente de Cleare que diz temer pelo filho e mas no momento da colisão sequer o aproxima de si. O que pude depreender é que não se trata do "fim" do mundo material, e sim do domínio dessa nostalgia e do niilismo a que estamos expostos. John ao reconhecer o inevitável acovarda-se e busca uma saída diferente das encontradas pelos personagens Homéricos que faziam de sua morte um marco para seus descendentes e orgulhavam-se disso(morrer como heróis). Justine deixa claro que ninguém se importará com nosso "fim", o que é um fato, não acredito que existam outros seres "pensantes" no universo e penso que o autor se referia a amor ao próximo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Renata, o que mais me agradou no seu comentário foi a comparação da morte de John com a morte nas epopeias, um contraste realmente gritante entre a covardia e a nobreza e o heroísmo. E também concordo que o filme não trata propriamente do "fim do mundo", mas do sentimento de vazio contemporâneo. Obrigado e um abraço!

      Excluir
  15. Como nas epopeias, Justine demostra atos heroicos tanto na primeira parte do filme, onde não se deixa corromper pela sociedade, como na segunda parte, ao tentar ajudar a irmã e o sobrinho. Quanto aos fenômenos míticos, há o planeta que se aproxima da terra. Já ouvimos falar dele como Nibiru o planeta X, Hercólubus o planeta vermelho, entre outros tantos nomes.
    Lukacs, em seu livro “Teoria do romance” diz: “O mundo da epopeia responde à pergunta: como pode a vida tornar-se essencial?” E no filme Justine nos responde está questão. Ela mostra que o mundo está se desligando do que é essencial. As pessoas se preocupam com coisas mesquinhas, e se esquecem do que realmente importa, que é o relacionamento desinteressado e de certa forma até despreocupado com as pessoas.
    Eu diria que o grande herói do filme não é Justine, mas sim o próprio planeta, pois é ele quem liberta, e de certa forma purifica os personagens principais presentes na segunda parte da história. Justine só nos faz entender o porquê dessa situação toda estar acontecendo. E mostra que é algo inevitável.
    Ao comparar a Odisseia de Homero, ao filme de Trier, percebe-se que a primeira obra é repleta de ações, já o filme mostra que todos estão acomodados, não há muita ação. A semelhança é o título das obras, ambas tem o nome de seus heróis, em A odisseia o herói é o Odisseu/Ulisses e em Melancholia, o herói é o planeta.
    Por todas essas razões, eu diria que Melancholia e a personagem Justine se encaixam perfeitamente como integrantes de uma epopeia. O restante todo do enredo é uma anti-epopeia.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Mariane, suas observações são muito interessantes. Acho que sua grande contribuição é a ideia de que Justine responde à questão de Lukács. Não sei o que dizer do "heroísmo" do planeta, mas ele é, sem dúvida, o grande "vulto mítico" do filme. Sobre a Justine, só acho importante lembrar que o heroísmo dela é um tanto conturbado, ou contraditório, embora se possa ler a crueldade dela na segunda parte como algo necessário, principalmente para a "purgação" de Claire. Enfim, você levanta questões muito importantes. Um grande abraço!

      Excluir
  16. Embora o filme Melancholia possua diversos pontos distintos, como por exemplo, a individualidade e o apego aos bens materiais, características estas comuns em nossa sociedade, que por sua vez revela-se oposta as características de uma epopeia, (sobretudo a individualidade humana), ainda assim, é possível traçar dados singelos, bem sutis, de acontecimentos épicos, mesmo o filme não possuindo todos os elementos estruturais do gênero épico. Algumas cenas do filme revelam nuances épicas, como o cenário que serve de fundo para o filme. A cena onde Justine se encontra nua no campo personifica esse fato e demonstra um certo lirismo, levando a tona os sentimentos (até então confusos) de Justine. Esse contraste do belo ao natural, mostrando detalhes do envolvimento do personagem com o cenário é típico em narrativas épicas, e reforça os sentimentos do personagem ao interagir com o ambiente, deixando claro, que Justine demonstrava um comportamento atípico.

    Angélica Soares, no seu livro Gêneros Literários (página 40), fala exatamente sobre essa característica lírica, envolvendo a personagem e o local, o qual revela fatos e sentimentos na trama, sendo portanto, características inerentes a epopeia. Ela afirma que “a plasticidade, relacionada a atração épica pela claridade e ao desejo de captação do mundo exterior pelo olhar; é outra característica do gênero. O poeta épico chega mesmo a transformar os sentimentos mais internos em imagens visíveis e bastante claras. (...) Pelo recurso da personificação, observamos a captação plástica do objeto narrado, demonstrando inclusive, um apelo visual*”

    Com essa descrição de Angélica Soares, verificamos que o entrelaçamento do personagem com o local, revela a personalidade do mesmo. Fato esse ocorrido em várias cenas do filme, principalmente no seu início, onde temos cenas em “câmera lenta”, acentuando o drama e as angustias vividas pelos personagens.

    Há ainda outros pontos a serem discutidos, como a divisão existente no filme em duas partes. Na primeira parte temos um espaço dedicado para Justine, onde é ilustrada sua melancolia, e toda sua falta de tato para com seu noivo. Nessa primeira parte, temos sua irmã Claire, com características resolutas, ciente de si. Já na segunda parte, há uma inversão de comportamento entre as irmãs, sobretudo na iminência da colisão com o planeta melancholia, onde Claire fica cada vez mais abalada, conforme se aproxima o momento da colisão, e Justine demonstra comportamento oposto ao apresentado outrora. Nota-se que cada um dos capítulos, possui diferenças, justamente por serem dedicados, respectivamente a cada um dos personagens, exemplificando que embora haja diferença entre ambos, ainda assim, há uma ligação entre eles. Tal característica (a divisão dos capítulos e a autonomia entre eles) é apontada por Angélica Soares, como peculiaridade da epopeia. Para Angélica Soares, “a composição épica deve fazer-se por adição, justapondo-se, em pequena ou grande escala, trechos independentes, que evoluem progressivamente, sem uma preocupação imediata com o fim. (...) Ainda coerente com a autonomia das partes, a coordenação é o processo sintático mais apropriado para reuni-las”. Portanto, analisando por esse prisma, inferimos que o desenrolar da estória, bem como a evolução dos personagens e suas respectivas partes, fazem aproximar o filme melancholia com o gênero épico. Todavia, essa aproximação citada é tênue, até porque falta-lhe características importantes da epopeia, conforme relatado no início desta análise.

    *Frase adaptada.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Gian, suas relações são muito interessantes. De fato, a plasticidade de muitas cenas de Melancholia é um dos elementos que permitem a relação com a epopeia. De alguma forma, mesmo que negativa, a relação imediata do homem com a natureza (ou melhor, não imediata, mas mediada pelo mito, que humaniza a natureza) se "atualiza" no filme.
      Quanto à questão da independência das partes, penso que nesse caso a questão é um pouco mais complexa. A citação de Soares é interessante, porque lembra que na epopeia parece haver um processo de aglutinação de partes relativamente independentes, o que é, inclusive, um dos argumentos contra a existência de Homero. Mas em Melancholia essa independência é mais calculada, intencional, e com fins claramente opositivos. De alguma forma, há uma coesão no "espírito" da epopeia como um todo, enquanto no filme fica a ideia de cisão (apesar da grande coerência de fundo da própria Justine). Mas, enfim, é uma questão muito boa e importante para se discutir! Portanto, muito obrigado! E um abraço!

      Excluir
  17. Respostas
    1. Teste bem-sucedido. Manda ver, Henrique! Vou aceitar os comentários até segunda-feira, no blog, por e-mail ou em sala de aula.

      Excluir
  18. Acredito que o filme Melancholia trás de forma poética no seu enredo como pano de fundo o ritual de passagem de uma vida vazia cheia de máscaras e fantoches..Nesse contexto Lars Von Trier trás na sua personagem principal Justine mulher que é capaz de dizer "NÃO" toda sujeira que está a sua volta.Fazendo uma relação a epopéia de Ulisses observa-se que o héroi épico enfrenta seus medos e desafios bravamente já Justine não enfrenta aceita e flerta com seus medos e angústias como se ela acreditasse que após aquele momento uma nova vida pudesse surgir. Essa relação entre o real e mágico pode ser destacada no final do filme quando Justine constrói com o sobrinho a "Cabana Mágica" onde ela o sobrinho e sua irmã esperam o ritual se confirmar. Esse é o momento alto do filme que confirma que o Amor e o Perdão vão acolher todo e qualquer sentimento que eles possam sentir. e nesse sentindo que essas duas obras vem trazendo temática das relações sociais lembrei de Lispector que diz:
    "..Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.."

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito interessante a comparação do heroísmo com o de Ulisses e o de Justine, Sheila. De fato, ele é o protótipo do herói épico; ela, do anti-herói (aliás, anti-heroína, o que também é significativo). Mas acho que, de alguma forma, ela acaba enfrentando, como você disse, a "sujeira" em volta.
      Oportuna, também a citação de Clarice: Justine se entrega à vida mesmo diante da morte. Obrigado e um abraço!

      Excluir
  19. Quando definimos a construção e o resultado de uma obra literária usamos bases que assemelham ao cotidiano imperativo de sua sociedade. No entanto, toda aquela ideia e forma proposta num outro tempo resultante do ser social e humano, que em sua totalidade não está mais no meio atual, exerce conceitos no alicerce contemporâneo de forma de fragmentos que motiva e explica passagens e movimentos do homem.
    Com isso, o relato de uma história que se forma com heróis, deuses, guerras e de forma imperativa o inexorável tempo (destino), que mais parece o grande inimigo ou amigo a ser enfrentado. De forma que o mundo da epopeia é visto com desafios bem vindos, o herói nasceu para aquilo, não há o questionamento para exercer seu papel no mundo. Tudo isso relata um epopeia da forma que se estuda a Odisseia, de Homero.
    O mundo homérico reflete sua época e idade, da forma como o mundo era aceito, ou seja, havia uma visão de um mundo pronto, deixado nas mãos dos homens-deuses, era preciso então agir, viver, guerrear, crescer, amar, falar, gritar e mostrar, pois a vida era um privilégio e aquele era o momento, o único momento.
    Quando questionamos o universo homérico diante da época contemporânea, podemos fazer de forma ambígua se analisarmos a epopeia com um curioso universo mostrado no filme Melancolia, de Lars “von” Trier. A história cinematográfica explora a Terra em seus momentos finais onde um planeta, chamado Melancolia, irá colidir com ele destruindo a raça humana. De forma que o filme tem uma ideia de tempo regressivo e se preocupa em mostra as ações finais das personagens diante do último acontecimento. Desta forma, presenciamos a personagem Justini que se mostra como um antiheroína criticando com suas ações a frivolidades da sociedade contemporânea e ainda pode ser avaliada como parte do planeta que esta por vim, sendo este inexorável Justini expõe um ar de cúmplice, de forma que suas ações em todo o filme são voltados para as outras personagens. Ao final do filme Justini se transforma em uma espécie de mensageiro do destino, pois como se soubesse do que estava por vim dá palavras de conforto para aqueles ao seu redor.
    Com isso, o filme passa por uma visão de mundo bem diferente de Homero, se tratando da sociedade relatando como ela se comporta diante da presença de um ser mitológico (o planeta refere-se a um deus ou algo poderoso). Se por um lado no universo homérico havia o herói e o privilegio da vida, então suas ações serão lembradas. Pelo outro, no momento em que a sociedade se vê diante de Melancolia nada mais resta para lutar, como se a própria vida fosse culpada pela presença de Melacolia.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Igor, achei muito boa sua descrição do espírito da epopeia homérica, e também a frase que fecha seu comentário: "...como se a própria vida fosse culpada pela presença de Melancholia". A vida humana, bem entendido. Se eu entendi bem seu primeiro parágrafo (que ficou meio confuso), posso dizer que penso como você: a forma e a ideia da obra literária são determinadas pela totalidade social que ela integra (como diria Lukács, principalmente o marxista, posterior à Teoria do Romance), e isso faz toda a diferença entre Homero e Lars Trier. Um abraço!

      Excluir
  20. Salve, Ravel!

    Parabéns pelo texto! Uma obra de arte! Fico até constrangido em escrever qualquer coisa a respeito do filme depois de um texto tão lindo. As contradições de nosso tempo estão representadas neste filme perturbador, e vc captou-as muito bem. Numa época de decadência como a nossa a condição humana está crivada de paradoxos, para além de todo maniqueísmo, como vc gosta de me lembrar. É preciso ter muito cuidado nos juizos que emitimos a respeito das coisas e das pessoas, nossa reflexão deve seguir o conselho de Kafka, que dizia que devemos olhar para as coisas como forma de oração, quer dizer, com uma compreensão e uma compaixão que nasça do coração, para entender esta fase de transição histórica que estamos vivendo, o fim de um mundo e o surgimento de outro que desponta no horizonte. No final do filme Justine parece sentir-se feliz com o fim daquele mundo que representava tanto sofrimento para ela. A criança permanece serena enquanto Claire chora o fim da sua tranquila vida burguesa. Por estar mais desapegada, Justine não sofre como a irmã, lembrando o que os místicos falam dos loucos e das crianças, que estariam mais próximos da transcedência, ou da idéia de Deus, distantes da lógica cartesiana que rege o mundo moderno.

    Um abraço fraterno,

    Sebastião.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tião, meu irmão: você sabe que nenhum elogio me pode ser mais caro que um seu, até por nossas divergências de opinião (que, no entanto, não são essenciais). Não por vaidade, portanto, mas por reafirmar que o diálogo existe e vale a pena. Muito obrigado! Lembro que você me disse essas palavras de Kafka há muito tempo, e o quanto elas me marcaram.

      Houve algo que você disse em nosso pequeno debate (num dos microssegundos em que eu deixei você falar) na UFMS que eu quero recuperar aqui, porque eu acho que é importante, o que eu não reconheci na hora: isso de Melancholia, o planeta, simbolizar também as forças exteriores que atuam sobre nós. Acho que isso tem sentido: não é apenas nossa liberdade e nossos "limites objetivos" que regem nossas vidas, mas também os ciclos cósmicos ou o que quer que seja que haja acima de nós. Compreender e aceitar isso foi algo que a sua amizade me ajudou muito.

      Mais uma vez, obrigado por tudo, inclusive pela chance de voltar a discutir e refletir sobre esse filme importantísimo, estendendo isso aos meus alunos.

      Um abraço fraterno!

      Excluir
  21. Melancholia, assim escrito, foi sem dúvida um filme fabuloso, tocante e envolvente. Posso defini-lo como, poético, utópico e surreal.
    Muito bem interpretado por Kirsten Dunst, (como Justine), o filme retrata a dura batalha, de Justine contra a depressão; aparentemente, Justine me parece frágil, socialmente distante, (referindo-me aos familiares), fria e desinteressada quanto aos acontecimentos em sua volta; e ao mesmo tempo, Justine, mostra ser autoconfiante e desprendida das futilidades do mundo.
    Como em Homero, Justine tem um destino,ou melhor,sabe qual sera o destino de todos,inclusive da Terra.
    fazendo uma comparação com os heróis, e guerreiros de Homero, em melancholia, podemos perceber que Justine, como personagem principal é despretensiosa quanto ao próximo, e quanto o que ocorrerá posteriormente. Quanto a sua irmã Claire, percebe-se uma inquietante insatisfação na sua vida, e em tudo que a rodeia. Claire se mostra prisioneira de um destino que ela mesmo construiu, enquanto Justine com toda a sua "Não" importância para o mundo, tenta dessa forma ajudar sua irma Claire a se livrar dessas insatisfações da vida.
    Aparentemente, entre Justine e Homero pode se dizer haver uma ligação no que diz sobre o destino; podemos perceber isso no fato de Justine ter dito que as pessoas são más e a Terra é má e por esse motivo estão destinadas a destruição eterna. Em Homero,também retrata essa questão do destino, o qual ninguém poderá escapar.

    Sem dúvidas, um filme Fabuloso que nos prende a a atenção.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Letícia, seus comentários sobre a relação de Justine com o destino são muito interessantes. Eu só faria o seguinte reparo: que, nela, a relação com o Destino é ainda mais forte do que em Homero, se aproximando mais da tragédia grega. Com uma diferença: Justine de alguma forma ama esse Destino, no caso Melancholia... Um abraço, e muito obrigado!

      Excluir
  22. O texto de Lukács, no início fala de vida e liberdade, de um mundo inteiro a ser explorado sem delimitações, a interação entre o homem e o mundo. Retrato de Ulisses que tem uma vida intensa e cheia de aventuras, que contraria Zeus e consegue mudar o seu destino e realizar o anseio de regresso ao lar, ao passo que em Melancholia, não tem para onde ir, é inútil tentar escapar. No caso da personagem Justine, ela sofre sintomas de uma crise existencial, é como se nada a pudesse tocar, os seus sentimentos são refletidos através da crueldade que ela demonstra por um tempo. Ulisses luta pela vida, talvez para ter o seu nome perpetuado na história, já Justine, vê no fim, a sua redenção. Na epopéia, “o céu estrelado é o mapa dos caminhos transitáveis e a serem transitados” e em Melancholia, o planeta são as trevas que cobrem as estrelas e impede terminantemente esses percursos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cleusa, essas duas ideias, no fim do seu comentário, são fundamentais: "Ulisses luta pela vida, talvez para ter o seu nome perpetuado na história, já Justine, vê no fim, a sua redenção. Na epopéia, “o céu estrelado é o mapa dos caminhos transitáveis e a serem transitados” e em Melancholia, o planeta são as trevas que cobrem as estrelas e impede terminantemente esses percursos". Você delineou muito bem, aí, as oposições Justine/Ulisses e Homero/Lars Trier. Pena que no dia do filme não pudemos contar com seu cafezinho... :) Um abraço!

      Excluir
  23. o filme melancholia é um retrato de varias cenas de acotecimentos fortes emoções, um filme feito de complexidade da vida d sofrimentos de dores e presentimentos, uma vida de depressão Justine vive a todo momento um momento de pressões e presentimentos de que aquela coisa seria real, aquela coisa que ela vive de momentos tão dramaticos parece que vem de uma força da gravidade do espaço, Justine parece ter uma vida cheia de visões e sabedoria, porque ela se entrega ao melancholia, muitas veses ela ja procurava a conversar com alguém antes de tudo isso acontecer, mas seus familiares não entendem o que ela quer dizer, até mesmo sua mãe e seu pai não á ouve, e ela começa a entrar em depressão mas logo ela se recupera e entende a verdadeira realidade, e logo ela se adapta com aquelas coisas, e ja não sente mais medo, e tudo acontece de uma maneira extraordinaria, o filme é umas das historias muito marcante, mas no fim de tudo umas das mais emocionantes historias de drama.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Silva! Apesar da falta de pontuação, seu comentário contém coisas novas e interessantíssimas, por exemplo essa alusão a uma "força da gravidade do espaço" que influencia tudo ali (e que tem a ver com o "sentimento épico", e cosmológico, do filme), a insistência na sabedoria de Justine, sem eco em sua própria família, tudo isso mostra que o filme produziu ressonâncias fortes e profundas em você. O que me dá o ensejo de sugerir que você participe mais das aulas, compartilhando suas ideias com os colegas e professores!
      Outra coisa: você usou a palavra "drama", no fim do seu comentário, no sentido geral de "sentimento dramático", mas ela também "puxa" a lembrança de que, numa "epopeia" (com as aspas, lembre-se) contemporânea, os elementos da FORMA dramática, ou seja, dramático-teatrais (que, de certa forma, já estão presentes nos diálogos homéricos) ganham,de certa forma, um papel central.
      Um grande abraço!

      Excluir
    2. valew Ravel pelas dicas ai, um forte abraço.

      Excluir
  24. Olá, Ravel.
    Gostei muito desta sua melancólica análise ao Melancholia.
    É um filme que favorece várias leituras e esta é muito rica,
    não apenas pelo detalhamento da leitura imagética do espectador,
    mas por não encerrar o assunto na desconstrução do "mito"
    que ronda os homens crédulos de Prometheu.

    Cada espectador tem o direito de abrir a sua própria Caixa Pandora e, depois da surpresa, até mesmo se abrigar nela.

    Abração!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Joba! Vindo de você, qualquer elogio é uma honra!

      Excluir
  25. José Braulio da Silva Junior26 de julho de 2012 às 15:28

    Ao assistir o filme Melancholia imediatamente minha mente fez associação com informações sobre outras “obras” que a meu ver tratam sobre o mesmo tema, a alma humana, ou melhor, a natureza humana, A Odisseia de Homero e o CD de uma de minhas bandas prediletas “Crucificados pelo sistema” da banda Ratos de Porão.

    O filme Melancholia deixa mais que claro a natureza humana em quase que todas as cenas, a natureza explicitada nas diferentes idades, cenas do filme e personagens, (“personagens tipos” quase que ao estilo da escola literária Naturalista, personagens esses que lembraram em alguns aspectos por serem “personagens Tipos” criações de autores como Émile Zola e Aluísio de Azevedo) que retratarão as mães que temem por seus filhos diante aos perigos, os velhos e suas mesquinharias da alma que é evidenciado cada vez mais quanto mais velho são, os patrões perversos que “torturam” seus funcionários, os medos, angustias e toda a podridão social e relacional existente quando a ponte da relação se estabelece entre humanos. A própria estética do filme retoma a ideia de melancólico ou depressivo, nas cores utilizadas, nos tons das falas e principalmente na cor azulada clara do meteoro que destrói a vida na terra.

    Posso amarrar essa minha constatação do filme com a obra de Homero A Odisseia, que a o meu ver também é uma obra que traz a tona o humano, principalmente quando trata sobre os deuses gregos, deuses esses que são divindades, e essa divindade é a única coisa que os diferenciam dos homens, pois diferente do Deus cristão, eles não são perfeitos (me refiro à perfeição moral), pois sentes ciúmes, traem, são mesquinhos e egoístas, assim como os homens, porem também devo ressaltar nesse paragrafo os homens das obras homéricas e gregas em geral, que são valoroso e destemidos, posso ousar dizer que são “apesar dos pesares” a utopia desejada pelos cavalheiros das obras trovadorescas do século XV, mesmo tendo seus desvios de caráter assim como os deuses, assim como o filme as obras gregas vão tentar mostrar ou melhor demonstrar a alma humana e sua natureza e do que o homem é capaz, claro que as obras gregas farão isso mostrando as glorias da raça humana, através das glórias do povo greco-romano e o filme através da melancolia que assola o mundo e as relações sociais além da própria tristeza depressiva existente de cada homem, mulher, velho e criança.

    Somando a minha rasa constatação do filme as obras de Homero acima citadas, irei finalizar esse breve comentário com o já inicialmente proposto CD “Crucificados pelo Sistema”, não irei me aprofundar nesse paragrafo na abordagem desse CD inteiro, apenas em seus contexto geral, assim como fiz nos parágrafos anteriores, já que para melhor compreender meu raciocínio é necessário a aquisição intelectual das “obras” que citei.

    O CD tem uma abordagem um pouco diferente do humano e sua natureza, ele tratará do olhar sócio, politico e econômico, os interesses financeiros que nos escravizam e nos apodrecem. Vivemos a insana procura de dinheiro e isso nos torna perversos, deixando de lado os lavores, familiares, sociais e de dignidade expondo nossas mesquinharias e egoísmos (assim como os deuses gregos em alguns dados momentos), perdemos os “limites sociais” e como no filme Melancholia as nossas relações sociais são espelhos da nossa natureza e de nossas ações.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, José Bráulio.

      Sua análise sublinha muitos pontos interessantes do filme, como a possível relação com o naturalismo por meio dos personagens-tipo e o uso das cores para criar o clima melancólico. Não entendi muito bem a relação com a Odisséia no penúltimo parágrafo, a respeito dos deuses homéricos: você acha que os personagens do filme podem, de alguma forma, ser relacionados com ele?

      Quanto à comparação com o disco dos Ratos, é pena você não tê-la explorado; penso que seria muito rica. Embora tenham feito sucesso nos anos 90, os Ratos surgiram nos 80, nos quais "melancolia" é uma palavra-chave. Vide, por exemplo, as letras de Renato Russo. Enfim, obrigado por sua valiosa participação em nosso debate!

      Excluir
  26. Penso semelhante relacionando Melancholia a uma antiepopéia, pois seus personagens que deveriam ter valores morais fogem a esta expectativa sendo justamente o contrário, como por exemplo o pai de Justine que apesar de demonstrar seu amor, muitas vezes a trata indiferente. Também a sinceridade absurda de sua mãe a criticando e expondo as pessoas e diminuindo Justine, onde essa mãe deveria ter o papel de levantar e acender os sonhos de sua filha.
    Mas todas essas características dos personagens são propositais, onde querem sugerir ao receptor um diálogo sobre o comportamento humano social e as relações entre o plano terrestre e o espiritual.
    Muitas vezes o filme nos faz acreditar que surgirá o milagre que os livrarão da tragédia,devido as intervenções de Claire. Mas Justine fria e seca tem como verdade e nos transmite essa sensação reforçando que esse milagre não ocorrerá e o fim próximo é uma consequência dos atos da humanidade cada vez mais materialista e individualista.
    Em relação a epopéia o filme não é de todo distante, pois seus personagens apesar de distantes, também mantém relação pois nos identificamos com alguns personagens como na epopéia.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Thiago, como os comentários que você fez em sala de aula (por exemplo, sobre o realismo frio com que Justine trata o menino quando ele pergunta se conseguirá ficar acordado na primeira passagem do planeta), esses que você fez agora acrescentam muito à nossa discussão. Acho que você percebeu que a importância do filme, para além da questão do fim do mundo, está na densidade dos personagens, com suas crises, comportamentos absurdos etc., mas vistos de uma forma complexa, na qual o maniqueísmo está apenas num primeiro plano, de superfície, pois no fundo todos eles participam de forma intensa e dilacerada do mesmo drama (ou tragédia). Obrigado, e um abração!

      Excluir
  27. obriagado Ravel.. abraçO !!

    ResponderExcluir