Mas a verdade é que está cada vez mais difícil assistir desenhos infantis, digo, para crianças. Passado o bom momento da Pixar, que trouxe certo sopro de criatividade - mas também, convenhamos, muito mais de histeria - ao mercado, sobram os derivados, cada vez piores. Happy Feet - pelo menos Happy Feet 2, que eu vi esses dias - é um deles, e dos piores. Às piadas histéricas e escatológicas se soma (ou se subtrai) um roteiro praticamente nulo: o mundo está "mudando", e devido a isso a "nação" dos pinguins imperiais fica presa em um abismo de gelo e os heróis precisam salvá-los. Contando com a ajuda de um falso pinguim e uma manada (?) de elefantes marinhos, tudo se resume às pirotecnias aéreas, dançantes e semicatastróficas - ou seja, a catástrofes coreografadas - para que isso ocorra.
Isso tudo ou esse quase nada não seria tão triste se não fosse tão marcadamente protofascista. As coregorafias de massa, além de fazerem o elogio da servidão coletiva, se prestam à apologia deslumbrada e desbragada da técnica. Não apenas a ausência de roteiro se escora nos "efeitos especiais" (haverá uso inteligente para "tecnologia 3D"?) como tudo se trata, no fim das contas, de desempenhos técnicos: a dança salvadora, os homens (caçadores? ambientalistas? não entendi; acho que teria que ver o primeiro filme e não farei isso) que iniciam uma operação-resgate mas são expulsos por uma tempestade em si mesma espetacular, os voos do falso pinguim etc. O de praxe, mas até a estratégia que o pinguinzinho empreende para convencer o elefante marinho a ajudá-los é um desempenho técnico-operístico de extremo mau gosto, um dos pontos culminantes desse "musical" militaresco-neoevangélico, aliás uma fusão de brutalidade technopop e histeria religiosa. O que, aliás, me fez lembrar que nas igrejas neoevangélicas (não quero acusá-las em bloco, há "crentes" e pastores de boa índole) costumavam circular versões "de Jesus" (oh pobre) de "músicas" como as do Bonde do Tigrão.
Enfim, não é um conselho nem um alerta, apenas uma dica ("cultural"): não levem seus filhos para verem essa droga. Ou, se fizerem a besteira de levar, como eu fiz, torçam para que eles façam como os meus: um não gostou de nada no filme, a outra se recusou terminantemente a usar os óculos 3D, e esperneou o tempo inteiro. Me arrependi de não ter saído. E depois que saí pensei nas condições dos pinguins do aquário de Santos, melancólicos, confinados num ambiente pequeno, aparentemente abafado e cheirando a podridão. Não se enganem, a "paisagem" que se vê à esquerda, ao fundo, é apenas o vidro.
Isso que se faz com os pinguins - símbolos de usos e, agora, temores de nossos padrões civilizados - não se deveria fazer com ser nenhum, nem concreta nem simbolicamente. E tornar as crianças cúmplices desses crimes não o aliviam em nada.
E tenho dito.
* * *
P.S. em 05/12 - Já que dei uma contradica, não custa dar uma dica de verdade, embora infelizmente não sirva para essas férias. Todo ano acontece o Festival Internacional de Cinema Infantil (FICI), dirigido por Carla Camurati. São filmes de vários países, e a maioria fora dos padrões e circuitos comerciais. Assisti uns poucos filmes este anos, e dentre eles os que mais me encantaram foram os curtas animados produzidos na Letônia. Mas se é o caso de criar um contraponto para o filme sórdido da Warner, cito o curta O caminho das gaivotas, que de certa forma também fala, como Happy Feet 2, sobre o fim catastrófico de um mundo e o nascimento de outro, mas com sentidos e espíritos muito diferentes. É uma coprodução cubano-brasileira, e penso que tanto nesse caso quanto no dos filmes letonianos os elementos ou rastros socialistas constituem diferenciais importantes. O FICI deste ano já se encerrou, mas o do próximo, que será a décima edição, também deve trazer muita coisa boa. É pena que não abarque todas as cidades que possuem Cinemark - parceiro do projeto -, inclusive Campo Grande, onde planejo morar. Aliás, todos sabem que acesso à cultura (de verdade), no Brasil, é um problema sério.
P.S. em 07/12 - Um lançamento de natal que vale mais a pena é Operação Presente, da Aardman. Vale a pena, eu disse, mas não tanto - e sem trocadilhos - quanto o questionador A fuga das galinha (do qual, inclusive, se distancia esteticamente, aproximando-se do padrão Disney-Pixar), salvo engano o primeiro grande sucesso do estúdio. Agora o sentido geral é francamente conciliatório - tecnologia e tradição, conflitos de gerações etc. -, e, principalmente, em nenhum momento se questiona o sentido mercadológico do natal. Mesmo assim, o desenho consegue levar um pouco de reflexão às crianças, inclusive porque seu happy end é também uma alegoria do estado de irresponsabilidade em que o mundo vive hoje.
Uau! Conseguiu ver tudo isso no Happy Feet 2?
ResponderExcluirParece tão inocente!
Bem, se não viu recomendo uma animação belga feita por quem praticamente reinventou o 3D:
As Aventuras de Sammy. Escrevi sobre ele:
http://claqueouclaquete.blogspot.com/2011/01/critica-as-aventuras-de-sammy.html
Abração.
T+