VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

ABAIXO-ASSINADO
Professores universitários em defesa dos estudantes secundaristas de São Paulo


Nós, professores de diversas Instituições de Ensino Superior abaixo assinados, manifestamos nosso apoio veemente à causa dos estudantes de ensino médio que ora ocupam quase duzentas escolas no Estado de São Paulo, em ato de protesto e resistência contra a “reestruturação” da educação básica que o Governo do referido Estado pretendeu impingir sem qualquer diálogo ou negociação com as pessoas diretamente afetadas: alunos, pais, professores e a sociedade em geral. Manifestamos, também, nossa  preocupação extremada  com os rumos tomados pela repressão aos estudantes, sobretudo as agressões físicas e psicológicas e o cerceamento de direitos fundamentais (inclusive o de nutrição), atos estes condenáveis em qualquer situação, tanto mais quando dirigidos a jovens e adolescentes. Tais agressões e cerceamentos ferem princípios fundamentais da democracia e da dignidade humana, sendo passíveis de denúncia aos organismos internacionais competentes. Solidarizamo-nos fortemente com os pais que acompanham e, mesmo angustiados, apoiam e respeitam a luta de seus filhos.


Esta é uma ação iniciada entre amigos na data da postagem. Peço que os partidários da causa se manifestem nos comentários (se possível fazendo login), declarando o nome e a IES onde lecionam. Apenas as assinaturas declaradas em comentários com login serão incorporadas à lista abaixo, mas toda manifestação é válida.

Assinam:

1. Ravel Giordano Paz (UEMS)
2. Marcos Siscar (UNICAMP)
3. Rinaldo de Fernandes (UFPB)
4. Suzi Frankl Sperber (UNICAMP)
5. Luiz Antonio Mousinho (UFPB)
6. Geraldo Vicente Martins (UFMS)
7. Flávia Cavalcante Gonçalves (UEMS)
8. Andre Benatti (UEMS)
9. Eliany Salvatierra (UFF)
10. Lígia Winter (ESAMC)
11. Marilda Alves Adão (UEG)
12. Genésio Fernandes (UFMS)
13. Fábio Dobashi Furuzato (UEMS)
14. Isabella Fernanda Ferreira (UFMS)
15. Maria Adélia Menegazzo (UFMS)
16. Marcelo Bueno (UEMS)
17. Mara Falconi da Hora (UEMS)
18. Carla Villamaina Centeno (UEMS)
19. Leon Alves Correa (UEG)
20. Eduardo Batista da Silva (UEG)
21. Paulo Edyr Bueno Camargo (UEMS)
22. Susylene Araujo (UEMS)
23. Fabio Akcelrud Durão (UNICAMP)
24. Jorge Eremites de Oliveira (UFMS)
25. André Monteiro (UFJF)
26. Luiz Fernando Medeiros (UFF)
27. Silvio Oliveira (UNEB)
28. Eliane Giacon (UEMS)
29. Vitor Cei (UNIR)
30. Samira Saad Pulchério Lancillotti (UEMS)
31. José Barreto dos Santos (UEMS)
32. Volmir Cardoso Pereira (UEMS)
33. Paulo Duarte Paes (UFMS)
34. Marcus Villa Góis (UEMS)
35. Ruberval Maciel (UEMS)
36. Paulo Cesar Tafarello (UFMT)
37. Rosana Zanelatto (UFMS)
38. Gustavo Vilela (UFMS)
39. Maria Inês Toledo (UnB)
40. Ana Claudia Duarte Mendes (UEMS)
41. Marcelo Moreschi (UNIFESP)
42. Bianca Fanelli Morganti (UNIFESP)
43. Maria de Lourdes Baldan (UNESP)
44. Wanderlan da Silva Alves (UEPB)
45. Andressa Zoi Nathanailidis (UVV)
46. Denilson Soares Cordeiro (UNIFESP)
47. Paulo da Luz Moreira (Southern Connecticut State University)
48. Helena Franco Martins (PUC-RJ)
49. Laura Rabelo Erber (UNIRIO)
50. Milena Cláudia Magalhães Santos Guidio (UNIR)
51. Anita Martins Rodrigues de Moraes (UFF)
52. Miguél Eugenio Almeida (UEMS)
53. Marlon Leal Rodrigues (UEMS)
54. Rosimar Regina Oliveira (UEMS)

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O ROTEIRO DO SUICÍDIO POLÍTICO DO PT, QUE VAI CUSTAR CARO À ESQUERDA


por Luiz Carlos Azenha

Como escrevemos anteriormente, aqui e no Facebook, o mar de lama da Samarco teve também uma dimensão simbólica.

Explicitou que a captura das instituições públicas brasileiras pelo poder econômico é absoluta.

A Samarco disse que a lama não era tóxica, que estava “monitorando” a enxurrada, etc. etc.

A empresa e uma de suas controladoras, a Vale, assumiram papeis que cabiam ao Estado, dentre os quais distribuir água.

Das autoridades não saiu um pio, a não ser pelo anúncio de multas milionárias que afinal não serão pagas.

O governo de Minas cassou a licença para a Samarco operar em Mariana, como se ela ainda fosse capaz de fazê-lo.

Duas decisões judiciais tomadas no caso favoreceram a empresa: uma rapidíssima liminar para desbloquear a ferrovia por onde passa minério e o habeas corpus preventivo que impede a prisão do presidente da Samarco.

Toda uma bacia hidrográfica destruída, praias e oceano poluídos…uma verdadeira catástrofe.

Enquanto isso, quatro jovens foram presos por “crime ambiental”: sujaram de lama um corredor do Congresso.

É óbvio que esta múltipla falência de órgãos engloba o PT e o governo Dilma.

Um breve roteiro do suicídio político, incluindo apenas fatos recentes:

1. Ganhar uma eleição e governar com o programa econômico alheio;

2. Colocar toda a conta da austeridade nas costas dos trabalhadores;

3. Propor uma lei antiterrorista que, lá adiante, em 2018, servirá para a direita demolir os movimentos sociais, permitindo a ela aprofundar ainda mais, se necessário, a depressão econômica do Levy.

Para completar, Delcídio Amaral, denunciado aqui e aqui como homem que articulava barbaridades contra o Brasil e os movimentos sociais, é flagrado em conluio com um banqueiro para evitar uma delação premiada.

Por mais que seja um petista de DNA tucano, é o líder do governo Dilma no Senado!

A partir dos depoimentos, a mídia fará, obviamente, o que sempre fez: criminalizar alguns e poupar os seus.

Mas o suicídio político é do PT. Por exemplo, ao sugerir que sua bancada votasse pela soltura de Delcídio.

Para todos os efeitos, 25 de novembro é o dia em que o PT se afogou em público, sob os olhares dos 300 picaretas do Congresso.

O que virá? A delação do Cerveró, possivelmente do próprio Delcídio, do banqueiro Esteves… um efeito em cascata que vai arrastar gente graúda, com o efeito prático de paralisar o governo Dilma.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, um quadro de primeira qualidade, acusou o baque numa entrevista ao Estadão:

“Quando você tem um sonho de transformar a sociedade em favor da igualdade e você se desvia para se apropriar de recursos ou para beneficiar quem quer que seja, você está cometendo dois crimes: o primeiro é colocar a mão em recurso público, o segundo, você está matando um projeto político”.

Uma delicada nota de falecimento.

Quanto à esquerda que sobreviver ao PT, tem encontro marcado com a lei antiterrorismo logo ali adiante. A não ser que, como o PT, priorize os gabinetes.


sábado, 14 de novembro de 2015

Um rio está morto. 
Em seu leito, peixes ainda agonizam, e à sua volta pássaros e outros animais olham sedentos e estupidificados.
Um rio está morto. A Estupidez do Homem o matou.
Um rio está morto. 
O Homem poderia tê-lo salvo, mas o Homem precisava justificar sua Estupidez, e agora precisa tomar seu café-da-manhã, aliciar seu ego podre e cultivar seu ódio ferrenho por seus semelhantes.
Parece que realmente não existem anjos.
Se existissem, talvez algum descesse à Terra e decretasse que o Homem não merece viver.

domingo, 21 de junho de 2015

A Fury Road de Mad Max: percalços e atalhos



Quando, há três ou quatro dias, eu saí da sala de cinema depois de ver
Max Max – Fury Road, o único pensamento mais ou menos formulado que eu tinha na cabeça era este: “Meu Deus, quanto eu não daria pra ter meu nome perdido no meio da multidão de nomes dos créditos finais desse filme!”. Nem que fosse, sei lá, como faxineiro; e tanto por vaidade quanto para ter visto um pouquinho daquilo se construindo.
Depois, caminhando pelas prosaicas avenidas Afonso Pena e Ceará em direção ao terminal de ônibus, o deslumbramento foi cedendo ao senso de realidade. Claro, com todo o primor de seus efeitos especiais e a força sintética mas certeira de seu argumento, Mad Max não foge a alguns elementos básicos dos filmes de ação hollywoodyanos, entre eles a crassa inverossimilhança de, digamos, seu resultado (já que ele se estrutura como uma espécie de competição) e certos atenuantes da radicalidade ideológica (afinal, o conflito se dá entre, digamos, membros da elite).
Enfim, decidi esperar alguns dias para escrever sobre o filme. O ideal seria assisti-lo mais uma vez, o que eu gostaria muito, mas ele ficou pouquíssimas semanas em cartaz em Campo Grande. (Quem perdeu, recomendo que espere a versão blue-ray.) O fato é que, passados três ou quatro dias, e como não podia deixar de ser, a admiração voltou a se sobrepor aos reparos críticos. Porque o Mad Max de George Miller é mesmo um grande filme, talvez uma obra-prima; no mínimo, um dos maiores filmes entre os que unem ação e ficção científica de todos os tempos.
Mais do que uma continuação da saga, Miller (e seus parceiros, pois mais três ou quatro assinam o roteiro com ele) empreende uma releitura ou atualização radical de seu personagem. Aqui, mais do que nunca, Max faz plena justiça a seu epíteto. Mas muito já se disse sobre isso e sobre as virtudes desse filme que tem, de fato, o mérito de aliar primor técnico e profundidade humana e político-social. O que vou tentar fazer é sopesar o equilíbrio entre esses elementos.
E para dizer logo o fundamental, digo o seguinte: de um modo geral, o imenso aparato técnico mobilizado por Miller não dilui a força humana do filme, mas se soma a ela, na verdade ajuda a expressá-la. A palavra “expressão”, aliás, vem bem a calhar aqui. As ressonâncias de Fritz Lang e as homenagens a Murnau não são gratuitas: como nos filmes do Expressionismo Alemão, Fury Road é um filme onde cada quadro, cada movimento de câmera e, portanto, mesmo cada tiro e cada porrada exprimem uma significação humana.
(Atenção, aqui começam os spoilers. Quem não viu o filme, recomendo ver antes.)
Sim, Fury Road é antes de mais nada um grande de filme de ação, mas a tortuosa caçada pelo deserto a caminho do suposto Vale Verde das Várias Mães é acompanhada por um clima de angústia que em nenhum momento se dissolve, e cada cena de ação reforça essa angústia, inclusive pela relativa incerteza de sua conclusão – já que logo percebemos que os fugitivos (embora com as exceções de praxe) realmente estão sujeitos à morte.
O fato é que a angústia é a emoção predominante no filme, e nisso Miller foge completamente à regra hollywoodyana: a inevitável inversão de posições, quando os mocinhos enfim começam a se sobrepor aos vilões, não se faz acompanhar de nenhuma euforia sádica, dessas que tornam a morte de cada vilão um deleite para o espectador. Mesmo quando o grande algoz é destroçado pela horda, isso soa como um ato de justiça um tanto amargo, que atesta o horror da “realidade”.
Um detalhe que reforça isso é o fato de que antes não víamos sinais de revolta na multidão de miseráveis: a catarse vem “de dentro”, e não de um aliciamento demagógico operado pelo enredo junto ao espectador (cuja posição, note-se bem, é mais afim à horda que aos heróis: a de um aglomerado humano passivo).
Outro detalhe significativo: a oscilação de uma das “esposas” entre a insistência na luta por liberdade e a submissão a Immortan Joe não é punida com uma morte sádica. No drama de sua oscilação, é sua humanidade, não a mera tolice, que sobressai, e sem que palavras de explicação sejam necessárias para isso: a relativa escassez de diálogos do filme não reduz o peso da dimensão humana.
A força disso tudo deriva dos alvos certeiros da dimensão política do enredo. Os senhores da guerra; a exploração vampiresca do outro, particularmente da mulher; a fanatização religiosa como estratégia de sujeição, aliada à monstruosa apropriação privada dos já escassos recursos da Terra. Mesmo não explorados de forma exaustiva, esses temas pairam de forma onipresente sobre cada cena.
Isso não impede que a grande inversão – e facilitação – final se opere, e nisso Mad Max se assemelha muito a outro grande filme de ação e ficção recente, o Elysium de Neill Blomkamp, do qual também tratei aqui. O que a viagem de ida tem de difícil, a de volta – apesar das muitas perdas humanas – tem de fácil. E no final tudo se revolve com uma facilidade embasbacante. Sequer se oferece resistência aos novos, aliás, às novas senhoras das águas. (Ficando, propositalmente ou não, a dúvida quanto a seu efetivo compromisso com as hordas “populares”, já que o olhar de Max lá em baixo para cima sugere a manutenção dessa distância.)
É como se os efeitos especiais tivessem, no fim das contas, esse fim, ao mesmo técnico e político: a potência pirotécnica da produção se transmite como que por osmose aos heróis maltrapilhos, tornando-se, afinal, potência redentora.
Mas tudo bem, ou não tão mal, pelo menos: com sua, digamos, relativa radicalidade antropológica e político-social, Mad Max tem o imenso mérito de colocar determinadas questões com uma força talvez única na intersecção dos gêneros ação e ficção. Ainda que, nele, essa interseção permaneça palatável ao gosto do espectador médio americano (incluindo-nos aí), a angustiosa questão colocada no filme se fixa no horizonte de nosso próprio tempo: quem está matando o mundo?
E se Miller ainda não desiste de falar em redenção, pelo menos não se trata da redenção da fuga para um suposto paraíso, mas do olhar para trás, do retorno para o lugar de onde não se pode fugir: em seu cenário muito específico (o deserto da Namíbia), Max Max – Fury Road pode ajudar muita gente a se dar conta de que a África e seus problemas não são tão distantes assim.
Dedico esse post ao velho amigo que me apresentou o então jovem Max, e que hoje, coxinha consumado, provavelmente não gosta mais do personagem. Ao menos se quiser ser coerente consigo mesmo.

terça-feira, 14 de abril de 2015

De volta à sopa

Há tanto tempo que eu abandonei isso aqui às traças que, se elas quisessem, poderiam me expulsar alegando usucapião. Em todo caso, não vou me preocupar em expulsá-las. Se elas ocuparam os espaços deixados vagos por tantos assuntos que eu deveria ter abordado aqui se fosse fiel aos compromissos assumidos comigo mesmo, que fiquem onde estão – provavelmente, aliás, vão se reproduzir e espalhar por outros espaços, porque eu não nunca pretendi e muito menos pretendo agora ocupar todos. Mesmo assim, se quero o benefício de um leitor que seja, acho que preciso fazer meu mea culpa. Porque se eu posso dividir a responsabilidade desse sumiço com algo, é com o meu atordoamento, já que o deprimente processo eleitoral do ano passado e, sobretudo, a insensatez discursiva que o acompanhou e ainda se sucede a ele me tornaram um bocado cético quanto ao papel da internet como espaço de cultivo de uma consciência crítica ou benéfica em qualquer sentido.

Mas claro que isso é uma grande injustiça. A internet é parte de um tipo de “expansão da consciência” que pode não ser a coisa mágica dos esotéricos mas que certamente existe. É preciso, no entanto, escolher os espaços; e o fato é que o espaço público e discursivo a que mais me dediquei nos últimos anos simplesmente não me serve. Não vou negar sua importância, mas a mim ele não serve. Tenho a impressão de que o Facebook (acho que as maiúsculas soam mais saudavelmente impertinentes que as minúsculas, constitutivas da própria marca) tem como grande resultado esvaziar as pulsões íntimas mais fortes que conduzem um sujeito à escrita, assimilando-as a esquemas simplificadores e levianos. Por mais séria que seja uma postagem, a procupação com os julgamentos alheios quase sempre predomina, e estabelece o primado dos mecanismos de conveniência ou exibicionismo. Claro que para muitos isso é parte de processos de sociabilidade e desrecalque decerto importantes, mas de minha parte estou saco cheio disso: não só de ser conivente como de me sentir praticando isso.

Este blog miserável, por menos leitores que tenha (e acho que eu consegui perder os poucos que tinha), ainda é um espaço no qual me sinto à vontade de uma forma mais efetiva para dizer o que efetivamente penso e sinto, e no qual posso tratar com um pouco mais de vagar de questões que eu acho que merecem isso.

Mas, enfim, por enquanto é isso: só pra dizer que os arquivos críticos (sim senhor, com o benefício das minúsculas) estão de volta. Não esperem grande coisa, aliás, não esperem nada. Não porque saber esperar não seja uma virtude nesses dias em que as sombras voltam a se adensar ante o fim de mais uma ilusão prolongada (cujo início não data dos governos Lula, e sim da neoliberalização do Brasil), mas porque a experiência comprova que isto aqui não merece o crédito exigido pelas grandes promessas. Isto aqui é no máximo como a sopa ralada de Jards & Wally – é uma forma também, afinal, de voltar àquela grande merda líquida, como a definiu um amigo. Com a diferença de que, graças aos deuses, nesta aqui ninguém precisa curtir porra nenhuma.