VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O cão do homem


Fábio Dobashi Furuzato

Hoje eu sonhei que escrevia que era o Jake que sonhava que era eu.

Quando esse eu sonhado pelo Jake da história que eu escrevia no meu sonho chegou em casa, o Jake e a Jolie latiram muito ferozmente para mim. Ou melhor, o Jake e a Jolie sonhados pelo Jake da história que eu escrevia no meu sonho latiram muito ferozmente pra esse eu sonhado pelo Jake da história que eu escrevia no meu sonho. Sendo que, daqui em diante, vou chamar cada um dos eus simplesmente de eu, não importa se sonhado, escrito ou acordado, assim como chamarei cada Jake simplesmente de Jake e cada Jolie de Jolie, para que consiga prosseguir com a história.

Pois bem, após ter sido muito ferozmente latido, ficado bastante chateado e outro tanto espantado, fui andando até a sala, onde encontrei Johann Sebastian Black Sabbath – sendo esse, do mesmo modo, sonhado pelo Jake da história que eu escrevia no meu sonho e também devendo ser tratado, daqui em diante, apenas como Johann Sebastian Black Sabbath ou simplesmente Jão. Mas, enfim, lá estava o Jão todo folgadão na sala, vendo TV e tomando umas cervas, com os pés em cima da mesa.

Caraca, Jão! O Jake e a Jolie latiram muito ferozmente pra
mim...

O Jake e a Jolie sonhados pelo Jake da história que você escreve no seu sonho?

Pô, não começa com isso...

Foi mal, cara! Mas é que, nesse sonho do Jake da história que você sonha que escreve, você não é você!

Como assim, eu não sou eu?!?

Não é, porque o Fábio desse sonho do Jake da história que você escreve no seu sonho tá lá dormindo no quarto e roncando que nem um porcão...

...?

Vai lá ver!

Chegando no quarto, lá estava eu de fato, ou melhor, eu nesse nível da realidade que vocês já sabem qual é. Não estava dormindo, muito menos roncando que nem um porcão, mas parecia ter acabado de acordar e escrevia algo no computador, como se registrasse algo antes que pudesse esquecer.

Olhamos um para o outro, ou melhor, eu pra mim mesmo, bastante assustado(s). Em seguida, tive curiosidade de saber o que o outro eu escrevia e lhe perguntei.

Qual dos eus? – ele respondeu.

Putz! Chega dessa piada...

É que tem pelo menos três eus escrevendo agora...

...?

Tem dois eus sonhados pelo Jake da história que você escreve no seu sonho, sendo que eu escrevo e você não. Tem aquele que escreve que era o Jake que sonhava que era eu. E o outro que escreve que sonhou que era o Jake sonhando que era eu.

Ainda mais perturbado, tentei olhar à força pra tela do computador e ver o que é que o outro eu escrevia, mas, nesse exato momento, o note desligou e fiquei sem a resposta. Ou melhor, esse eu sonhado pelo Jake da história que eu escrevia no meu sonho ficou sem a resposta...

Quanto ao eu que acordou e veio correndo para escrever este sonho, não faço ideia de qual seja, mas desconfio seriamente que seja o Jake!

Para a Jolie (in memorian)

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