Por Geraldo Vicente Martins (UFMS)
Confessional desde o início, a narrativa de “Os meninos da colina”, livro com que o professor e crítico de literatura Ravel Giordano Paz adentra o terreno da ficção, busca estabelecer um diálogo próximo com seus leitores, revelado na interpelação direta ao interlocutor com que se inicia. A partir desse viés subjetivo, todos nos encontramos convocados a recordarmos de nossos dias de adolescência (“dias de luta”, diria a letra da canção de uma das bandas de rock brasileiro não citadas no texto), bastante reconhecíveis no cotidiano do menino Jean e seus amigos.
Da perspectiva do conteúdo, a trama conduzida pelo
narrador-protagonista cativa por sua simplicidade, em que se relatam
as (a)venturas e desventuras de um grupo de adolescentes que, aos
poucos, descobre as vicissitudes da jornada humana, com seus
infortúnios e mazelas, advindos, sobretudo, da visada com que os
adultos, munidos de sua peculiar autoridade, a direcionam. Nesse
sentido, o tom leve e divertido que o narrador imprime à história
permite que se acompanhem as artes da turma com interesse e prazer,
fruindo-se, com facilidade, do jogo ficcional que a obra propõe.
Acompanhar
o processo de amadurecimento de Jean, em meio às descobertas que se
descortinam no comportamento dos parceiros de turma, seja na escola
ou fora dela, revelando a ele a complexidade dos homens, não importa
se jovens ou adultos, passando pelos grandes temas que afetam a todos
nós, como amizade, amor, liberdade, justiça e responsabilidade
(para citar apenas alguns), constitui-se como um exercício de
descoberta também para o leitor, valorizando o seu percurso de
leitura e construção de sentidos a partir da narrativa.
No
que concerne a alguns elementos que compõem a história, alguns
pequenos deslizes podem vir a ser corrigidos em edições futuras,
com vistas a evitar qualquer desvalorização, por conta disso, do
enredo bem contado nas páginas do livro. A título de exemplo,
mencionem-se apenas duas ocorrências dessa natureza: na página 12,
“2º B” (em vez de 1º), e na página 15, “The Grandfather”
(em vez de The Godfather).
Considerando
a estruturação narrativa do texto e os procedimentos empregados
pelo autor, três ressalvas devem ser apontadas. A primeira vai para
a presença de certos anacronismos ao longo da história; dois
exemplos, um mais explícito e outro menos, ajudam a entender o
senão: em determinado episódio, um dos personagens se refere ao
roqueiro Lobão como “coxinha” (expressão cuja conotação
política é bem própria dos nossos dias, mas não do final dos anos
1980); em outro, alude-se aos grandes protestos da juventude,
duvidando que pudessem encontrar ressonância em momentos posteriores
da história do país. Ainda que se revistam tais menções com
traços de ironia, elas acabam trazendo ao texto resquícios de um
exercício de futurologia que acabam por não condizer com sua
totalidade.
A
segunda ressalva que se pode apontar diz respeito ao apêndice que se
apresenta ao final do livro, o qual, problematizando ficcionalmente a
criação fictícia do próprio romance, provoca, por vezes, certo
desconforto no leitor, decorrente de algum exagero em sua composição,
tal é o modo com que insiste em “desmerecer” o valor da própria
ficção. Aliás, essa desconfiança é alimentada também em outros
momentos do texto, como no início da página 64, em que o narrador
questiona a veracidade de seu relato por meio da expressão “Por
incrível que pareça”...
Finalmente,
a terceira objeção dirige-se para a organização temporal dos
eventos narrados; tendo em vista que o autor é bastante enfático
com relação a esse ponto, espalhando índices marcadores de tempo
por todo o texto – às vezes, inclusive, em curto intervalo da
trama –, torna-se necessária uma atenção maior para a questão,
pois, em diversos momentos, a impressão que se tem é a de um
descompasso entre a passagem do tempo e sua marcação – em
linguagem ordinária, diríamos que “parece acontecerem muitas
coisas em pouco tempo”.
Com
relação às duas primeiras ressalvas, pelo controle que demonstra
em sua escrita, não parece haver grande dificuldade para Ravel
resolvê-las em obras futuras. A nosso ver, o grande desafio que a
ele se apresenta é o de trabalhar o domínio do tempo e, mais ainda,
do ritmo da narrativa, elemento essencial para que sua prosa possa
alcançar patamares mais altos, uma vez que a matéria para seus
textos ficcionais ele já encontrou: histórias de gente comum
transfiguradas pelo poder da linguagem que emana de sua escrita.
Não
deixa de ser um ótimo começo.
Prof. Geraldo Martins |
Querido Geraldo, relendo seu texto seis anos depois, vejo como ele foi importante para eu repensar aspectos de minha escrita. Muito obrigado!
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