VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

sábado, 13 de julho de 2013

Em louvor a um Lobisomem

Jam Session dos Lobisomens no Holandês Voador
(CLIQUE AQUI)






Este post deveria ter sido publicado ontem, mas não consegui anexar o vídeo linkado acima a tempo. Minha vontade, agora, era falar da reabertura do Holândes: o show heróico do George à frente d'O Lixo e a Fúria, o show arrasa-quarteirão dos Strangers... Enfim, fica pra outra hora.


Outro dia meu amigo Volmir Cardoso Pereira honrou este blog com uma elegia para uma cafeteira, e hoje eu talvez o desonre com este louvor a um Lobisomem – que além do constrangimento dessa forma humilde talvez deixe o próprio Lobisomem em questão constrangido, se ele for um desses cristãos que insistem que só o que se louva é Cristo. Mas Douglas Almeida saberá me perdoar – os cristãos devem sabê-lo –, pois sabe (já lhe disse isso) que eu vejo a música dos Lobisomens como algo semelhante ao que seu livro preferido chamou de o Espírito de Deus pairando, ou melhor – e com o perdão da correção –, movendo-se sobre as águas.

E também porque saberá que esse louvor é uma homenagem não só a ele mas ao Holandês Voador, o templo sacromundano do rock em Campo Grande, bravia e insistentemente erguido e reerguido depois de cada temporal por seu sumo capitão George, outra fera indomável do rock bigfieldense à frente do grandioso O Lixo e a Fúria. Homenagem esta, esclareço, que publico no dia de outra valente reemersão de nosso barco-fantasma das águas de um semiostracismo imposto pelos senhores da Lei.

Também preciso esclarecer que essa “homenagem” é também a amortização de uma dívida contraída com os próprios Lobisomens, aos quais pedi que fizessem a session linkada neste post, com a esperança de fazer um bom registro do som deles, que pudesse ser distribuído com um zine que, pelo visto, não verá a luz do dia.

Essa não foi, provavelmente, a melhor apresentação dos Lobisomens. Em primeiro lugar, porque a platéia era pequena, e os urros cá embaixo que ajudam a tornar os três monstros lá em cima ainda mais monstruosos foram relativamente poucos. Em segundo lugar porque o baixo tocado por Fabrício, pego desprevenido, foi arranjado ali no palco mesmo e, ale de ter um timbre seco de doer as têmporas, era simplesmente inafinável.

Mesmo assim foi outra apresentação monstruosa, e é provavelmente o registro de melhor qualidade sonora dos Lobisomens. Por obra de um azar muito tipicamente meu, a bateria acabou faltando poucos segundos do gran finale, um arregaço completo que ficará a cargo do ouvinte imaginar, se não preferir deixar o som prosseguir infinitamente em sua cabeça.

Mas, como eu dizia, esst post é um louvor a um Lobisomem.

Douglas Almeida é, certamente, um dos melhores guitarristas (senão o melhor) em atividade hoje em Campo Grande. Eu me lembro uma vez que, ao fim de uma session assombrosa, eu disse a ele: “Você é o lobisomem”. Foi a segunda ou terceira vez que eu vi esse trio de jazz-demolição-transcendental (na definição deles mesmos) em ação, e mais uma vez em que, como sempre, eu me assombrava – é a única palavra, mesmo – com o que eles faziam no palco, numa noite em que Douglas tinha estraçalhado como nunca seu instrumento. Ele, por sua vez, balançou a cabeça, enfadado com minha tietagem, e riu: “Que é isso, o lobisomem...”.

Mas Douglas Almeida entendeu o que eu queria dizer: os Lobisomens são mesmo monstruosos, mas o que ele faz é mais monstruoso que tudo. O baixo de Fabrício é rítmica e melodicamente muito rico e muito louco – é a alma jazzística da banda –, a bateria de Leandro é de uma força e, igualmente, uma ritmicidade que, quando se unem, fazem coisas inacreditáveis, mas a guitarra de Douglas une tudo isso: a força, o ritmo e a riqueza – quando não a delicadeza – melódica.

Bom, se isso que chamei de “uma homenagem” quisesse fazer alguma justiça à trabalheira que os Lobisomens tiveram a meu pedido, este post deveria ser algo como uma descrição espiritual-fenomenológica de cada segundo do que acontece nesse link. Mas minhas palavras têm muito pouca música pra impedir que essa “justiça” desande em puro tédio. O melhor é deixar que meu leitor – se é que eu ainda tenho algum – ouça o máximo que puder do registro abaixo.

Não é uma apresentação perfeita. A segunda ou terceira música tem trechos bem desarmônicos, mas mesmo nessas horas os Lobisomens são monstruosos. Quando se entendem, e esse entendimento evolui, fazem algo próximo do divino. Além disso, ao contrário do que eu pensava (só ontem ouvi a gravação inteira), trata-se de um registro sonoro bem razoável do talento de Douglas com sua guitarra rascante e veloz, que não raro desafia a distinção entre base e solo, criando verdadeiros riffs solantes, e é às vezes tão incrível que parece haver não uma, mas duas guitarras no palco.

Falta dizer que este post é uma homenagem, também, a’O Lixo e a Fúria de George & Confraria e ainda à Srangers, outra banda magnífica, capitaneada pelo carismático Wille Bruno e que também toca hoje na reabertura do Holandês Voador. E também cujo baixista, Irwing dos Teclados, é um ateu militante que eu tive a honra de ver tocando junto com os também militantes – mas cristãos militantes – Douglas Almeida e Leandro Dourado, em instantes igualmente sacramentados no Estar-Sendo Infinito do Caos-Cosmos.

Mais uma prova de que a música transcende todas as fronteiras. Se este mundo tem algo parecido com uma salvação, ela passa por alguma coisa que está acima da religião e mesmo da política, e que é essa coisa semelhante ao Espírito de Deus (ou dos deuses, e das deusas, ou do Espaço-Tempo, ou do que quer que seja), não pairando, mas se movendo dentro e fora de nós: a Música.

Então viva a Música, viva o Rock, viva a Liberdade, vida longa ao Holandês Voador!

Foto de Kojiroh

Um comentário:

  1. viva lobisomens a todos do miuundo so quem e sabe se e q vcs me entendam.........

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