VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Dimitri Pellz, 7 de setembro: flying with fire


Queria ter escrito sobre a banda Dimitri Pellz há quase três anos, quando a vi pela segunda e, até ontem, última vez, no Fogo do Cerrado de 2010. O tempo passou, o impacto se diluiu no sangue e eu fiquei aguardando outra chance, desalentado com o boato de que a – em minha modesta mas convicta opinião – melhor banda de rock do Brasil havia acabado. Mas o boato era falso: Dimitri vive, e, mesmo ligeiramente fora de forma, fez ontem, aliás, hoje, outra apresentação memorável no já histórico BarFly.

Sempre que vejo a banda de Maíra Espíndola e Jean Albernaz (os demais não são meros acessórios, mas giram em torno deles) se apresentar, fico dividido entre a entrega ao som massacrante – um psychoprogpunk ao mesmo tempo experimental e visceral –, principalmente aos tambores exatos e furiosos de Jean, Boham redivivo, latinizado e africanizado (mas há também a fusion baixo-guitarra-tecladística: potente, psicodélica e meio espacial-progressiva), e a atenção às letras e “performances” não menos arrasadoras de Maíra.

Arrasadoras é pouco: as “performances” de Maíra, seu strip acintoso, seus discursos ácidos e enfezados, cantados ou não, são verdadeiras esquizoanálises, catarses apocalípticas que expõem em carne viva a falsidade, a mediocridade e o comodismo de todos nós. A ovelha negra da “família-música” do Mato Morto não é só o avesso dos Espíndola, mas um cuspe na cara maquiada e ostentosa da cidade dita Morena, ou melhor, das grandes e universais mentiras humanas que nela se espojam. Não é à toa que desperta a crassa estupidez de alguns, provavelmente zelosos de algo de que no fundo duvidam.

Jean "Bohan" Albernaz
Mas em cada grito de Maíra, em cada acorde pulsante-obsedante de Dimitri, vibra a esperança encarnada: mais que desnudar, incendiar, cuspir na cara da Morena, libertá-la, e a tudo que vive e se deixa prender nela. Por isso, em nenhum show se dança como nos shows de Dimitri: com tanto amor e fúria ao mesmo tempo. 

Enfim, Dimitri vive – e que seja eterno enquanto viva. Para além disso já é. 

Pra quem não conhece, um registro incendiário:


Essa madrugada de 6 para 7 de setembro, mas já em plena data “libertária” (que, aliás, Maíra fez questão de “celebrar”), ainda teve como fecho outra big band bigfieldense: a Gopstopper, com suas letras e melodias belíssimas mas sem enfeites, exigentes de uma atenção que também nesse caso, como em todo bom rock, conflita com o som vibrante: a bateria firme de Leco, o baixão solante de Marcel Ribeiro e a voz grave, falada-cantada, de Elizeu Nico. O desafio de unir potência e beleza; potência sem brutalidade, certa gravidade oitentista (mas também, sem dúvida, loshermanística): é que me passa o som dos Gobstoppers.

A banda que abriu a noite, e que eu vi pela primeira vez em formação completa, alcançou algo parecido em seus melhores momentos, por exemplo na versão metalizada de “Tutti Frutti”, de Little Richard. Faltou o Steppenwolf, que eu queria ouvir a Maíra gritando junto: BORN TO BE WI-I-I-IIILD...


Falando em gritar, enquanto eu começo esse texto provavelmente ocorre o Grito dos Excluídos no desfile de 7 de setembro. Não estou lá, mas estou com eles.

3 comentários:

  1. EEEEEEEEE, Ravel!!!!!
    Que posso dizer de seu texto, prolongamento semântico do Dimitri Pellz, conclusões assustadas e explosivas a um só tempo!
    Sobre Maíra, ela é Maíra de Darci Ribeiro, um demiurgo arroto de Deus! Tomando para mim o discurso dela, "a mais anarquicamente feminina presença em minha vida"!
    Quanto ao Jean, músico de alma, um performer impressionante no palco e um intelectual de pensamento sofisticado.
    Lido e lindo seu texto!

    Bjos, Lu Tanno.

    P.S.: Meu contato é o 9979 0113/ 9245 7324, vamos marcar algo para que eu leve seu livro.

    ResponderExcluir
  2. Muito obrigado Lu! E quero muito ler seu livro, é claro! Vamos ver a gente consegue se ver nesta semana corrida...

    E obrigado, Anônimo... Os melhores elogios são os elogios anônimos. (Juro que não fui eu!)

    ResponderExcluir