VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Prometheus de Ridley Scott: eram-se os deuses e a metafísica continua

Já faz alguns dias, se não me engano umas duas semanas, que assisti Prometheus. Não posso dizer que seja um mau filme (mas também não digo que é bom), e nem que ele não me impressionou, mas, passado o impacto de primeira hora (ao longo do próprio filme já amortizado em asco e depois em tédio face os clichês), não me sobrou entusiasmo suficiente para escrever sobre ele, e menos ainda de fazer publicidade dele. Mas como é um filme que tem sua "importância" e, além disso, ao qual eu me referi no segundo post deste blogquando ele ainda era um mero projeto do diretor de Alien, eu estava praticamente obrigado a dizer duas palavras sobre ele; tarefa da qual me livro agora.

Em sua dimensão "séria" (pois há a a charlatanesca), Prometheus é uma grande e terrível - algo, mesmo, maligna - armadilha. O que começa e nos captura numa vertigem quase orgânica - a dos mundos desconhecidos em que mergulhamos nas primeiras cenas, arrastados por um trabalho fenomenológico extremamente bem feito com a técnica 3D - logo dá lugar a um outro mergulho: o de uma fantasia-metafísica da Criação - ou derivação - do homem enquanto mal, enquanto cisão genético-metafísica. E nisso se resume Prometheus: na afirmação e emulação sinistra da ideia de que os seres, deuses ou astronautas, que nos criaram, nos odeiam, por motivos um pouco óbvios e que aliás também os constituem enquanto "seres" cindidos, doentios, mortos-vivos.


Mas o pior é que, sinistro até a medula (ou melhor, o DNA), Prometheus não se furta ao uso oportunista de todos os clichês possíveis, do horror ultramórbido, cada vez mais centrado na paranóia viral, ao heroísmo sacrificial, muito embora esse último de forma compensatória para o heroísmo psicótico que se encarna nessa nova e piorada, muito piorada, tenente Ripley, que age de forma tão irresponsavelmente maníaca em busca dos "segredos da vida" que não lhe sobra sombra de verossimilhança.


Quando não é maníaco, levando aos extremos a imolação física e moral de seus heróis - e principalmente sua heroína, o que ainda me parece muito doentiamente edipiano -, o heroísmo de 
Ridley Scott é fetichista. Confesso que não me desagradou ver um Ravel, um oriental quase tão simpático quanto eu, no batalhão de trabalhadores-salvadores-suicidas de última hora, mas se Scott tivesse lido esse meu outro post, sobre o fetichismo operário em um outro filme de ETs (e muito melhor!), de John Carpenter, saberia que essa pequena deferência não o pouparia de minhas críticas... (Isso é uma piada, entendido?)

Se Prometheus fosse um grande filme, poderia ser um Cidadão Kane do século XXI, e seu protagonista seria o velho-fantasma que financia a expedição, em busca da imortalidade que usurparia de vez a herança dos filhos. E o fato de conter esse tema, de acenar um mergulho nesse complexo antropológico, sem dúvida que é um ponto a seu favor, mas Prometheus é, sobretudo, um exercício doentio - um sintoma - do mesmo instinto niilista que se instala na raiz desse complexo. Tanto que, assim como obscurece o delírio psicoantropológico, no fim das contas salvaguarda a instância metafísica; e
menos em tributo ao que a ideia ou a presença de Deus contém para além desse delírio do que para glória da enorme confusão, a lógica eterna, e mais do que nunca perniciosa, dos enigmas substitutivos: eram-se os deuses, o quê - que mal, afinal de contas ainda metafísico - eram os astronautas? 

O que mais, senão uma grande e sinistra com
pensação para a consciência acabada e irredutível - humana, é claro - do sinistro? Salvos do fim, mas com a morte na alma: a utopia terminal do capitalismo. Depois de eleitos, os odiados pelos deuses. Astronautas? Não importa: Origem, com O maiúsculo, maligno-metafísica. De certa forma, Prometheus pode ser visto como o Melancholia de Ridley Scott, mas nele o que se exprime, além da mórbida e niilista "radicalidade" de uma alma maníaca? 

Um comentário:

  1. Antônio do Amaral me enviou esse comentário pelo facebook:

    Ravel, o Ridley Scott, afora dois filmes realmente importantes (Blade Runner e Alien), depois disso não fez mesmo mais nada que valesse à pena. Ontem revi A good year, 2006. Como é ruim como cinema. O tema poderia render um grande filme, mas como ele é um vendido, acabou fez uma porcaria! E aquele Crowe é lastimável! Vamos ver se esse Prometheus "promete".

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