VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Naufrágio

    oscilante
     fluido total
         descendo
     o corpo
   resquiciando vida
pelas bolhas
peso espesso declina
por natural densidade
arrastando fundo adentro
o cadáver social

   grosso barbante
     gangrena a
            perna
 com pressão
       ameaçada por
 vários indicadores

matéria concisa esconde
sem furos uma esponja
inexorável demolição do
imaginário arranha-céu

          braços flagelos
      em queda
            livre
      não sustentam a
          dúvida
           em decisão

concreto solúvel preenche
os nichos profundos da
submersa satisfação

Victor Ferraz

2 comentários:

  1. Salve, Victor!

    Obrigado por mais essa contribuição e demonstração de talento, que, como as outras, honra muito nosso blog. Gostei muito desse poema. O significado de imagens me escapa, mas acho que seria tolice tentar esclarecê-las. O fato é que são densas e sugestivas, criam uma espécie de efeito antipoético que é, talvez, a única possibilidade de sobrevivência, hoje, da poesia, ao mesmo tempo que - como a verdadeira poesia - se recusam terminantemente à redução à prosa. Ou seja, é poesia, sim, e, a meu ver, de ótima qualidade.

    Bem, como disse por e-mail, quero esclarecer o porquê de usar essa conhecida imagem, do cartaz do filme Calígula de Tinto Brás (& produtor, ninguém consegue desprezar totalmente aquelas inserções). Na verdade, era uma imagem que eu queria usar em post meu, sobre a “nova” crise do capitalismo; que não é só, evidentemente, do capitalismo norte-americano ou europeu, mas que agora incide, talvez com foca inédita, diretamente sobre o coração do capital, se é que ele tem isso. Seria, enfim, um texto sobre o velho tema da decadência, mas também sobre a necessidade de regular o que se sente em circunstâncias assim. E sobre o medo do novo, também, no caso a China, e os mecanismos de culpabilidade que agora se direcionam a ela.

    Mas, enfim, seu poema disse - em minha leitura, claro - muito do que eu queria dizer com outras palavras. Você me disse (em outras palavras), em seu e-mail, que é um poema sobre o conflito do poeta com a sociedade, e talvez minha ilustração desvie um pouco a leitura disso; mas eu me lembrei, em algum momento, do Calígula de Camus, cuja figura se constrói em paralelo com a de um poeta; e ele mesmo possui algo da aspiração deste, na medida em que suas ambições se voltam para... a lua. Inutilmente, é claro.

    E, nesses tempos em que, passadas décadas da decantada “conquista da lua”, e em que se vê cada vez mais claramente que esse feito não teve como contrapartida a conquista de um mundo mais justo, e, enfim, quando os próprios autores desse feito se veem duramente confrontados com essa realidade... Tudo, enfim, faces diversas de uma mesma e sangrenta moeda.

    Espero que faça sentido.

    Mais uma vez obrigado e um grande abraço!

    Ravel.

    ResponderExcluir
  2. Fico feliz que meu poema veio na hora certa. Ótima escolha dessa imagem (que faz todo sentido,sim)pra ilustrar as imagens do poema. E quem tem que agradecer mais uma vez, sou eu, por esse espaço privilegiado. Obrigado, abração!

    Victor Ferraz

    ResponderExcluir