VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Mais do mesmo, sempre?

Dessa vez me eximo de dizer qualquer coisa; confiram vocês mesmos (link quebrado; confira a charge abaixo) o quanto o "evento Breivik" trouxe à tona a boçalidade dos "formadores de opinião" nacionais. Com um detalhe: o mesmo "humorista" produziu, à época do massacre de Realengo, uma charge não menos cretina, mas com sentido bem diferente no que se refere ao assassino (idem). Há algo de mais pernicioso nesses "artefatos culturais" do que, por exemplo, o que fazia o Casseta e planeta; sua pretensão a humor nem de longe escrachado, mas, pelo contrário, "refinado".

De novo cito Renato Russo no título de um post sobre o mesmo assunto. Isso não tem nenhum sentido esteticista ou o que seja; simplesmente, mais uma vez foi um verso dele que me ocorreu ao pensar no que dizer. Mas quero registrar a seriedade - e preocupação - máxima dessas palavras. É o que me faz decidir, novamente, a não ilustrar o post.

E quero esclarecer algo importante sobre esses dois últimos posts. A atrocidade cometida por Breivik é um fato irredutível em seu horror. Mas o que tem me assustado particularmente é o tipo de celebração implícita, e não de todo inconsciente, que se tem feito dele.

Aliás, esses dias o noticiário voltou a se ocupar de um fato atroz, felizmente não de consequências fatais: uma agressão absurda de um jogador de futebol por outro. Quando é que nossos "analistas" se perguntarão sobre a conexão profunda desses atos, ao invés de apartá-los em gestos que reiteram outras formas de violência simbólica, como o racismo bem mais do que implícito na charge de Alpino?

Acréscimo após a postagem: vejam, aliás, o "Top 10" recém-publicado pelo mesmo yahoo:
http://br.esportes.yahoo.com/blogs/redacao/top-10-faltas-mais-violentas-da-hist%C3%B3ria-futebol-151618199.html

Acrécimo em 28/07: Comparem as duas charges: numa Alpino usa a foto de Breivik, na outra faz uma caricatura grotesca de Wellington. Nesta, é explícito que o ponto de vista dos espectadores é o mesmo do caricaturista, ou seja, Wellington é chamado de idiota (como deve ter sido na vida real). Na outra, não é tão explícito que esse papel caiba às leitoras: pode-se entender que também elas são "criticadas"; a meu ver, porém, aqui o conluio é completo: Alpino, suas leitoras e seu Breivik "fecham" na ridicularização de alguém que só figura no título da charge: Osama Bin Laden, o terrorista "feio". O racismo, lembre-se, foi uma das motivações de Breivik.

Acréscimo em 10/01/2012: Descobri que os links para as charges de Alpino estão quebrados, então me vejo obrigado a publicá-las aqui. Como só as obtive em formato reduzido, transcrevo as falas dos balões:

"Melhorou e muito..."

"A maioria das pessoas acham que sou um idiota..."
"Isso foi antes... Agora todo mundo tem certeza...

Já sonhei em ser cartunista, e não posso deixar de admirar o traço de Alpino. Essas charges, no entanto, me fazem duvidar de sua inteligência - cronística, "humorística" ou o que quer que seja.

7 comentários:

  1. Fabiana Rached, que não conseguiu postar seu comentário, me manifestou sua perplexidade por e-mail: "O terrorismo mais bonito??? O que é isso?". E convida a pensar nossas responsabilidades, individuais e coletivas, diante desses fatos.
    Outros colegas já me escreveram se queixando por não terem conseguido postar comentários. Mas nem todos têm meu e-mail: ravelgp@yahoo.com.br.
    Ravel.

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  2. É muito triste isto tudo! Os que riem da barbárie acabam por corroborar com ela, e fazem parte deste mesmo processo de desumanização, contrbuindo com isto, inclusive! Nossa! 'Amenizar' o horror com piadinhas?????? É uma cegueira por parte de quem faz isto, ou é, deliberadamente, um ato de barbaridade, de escárnio com a humanidade, com as minorias, com a vida... enfim, com tudo?

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  3. Fiquei pensando, talvez nesse caso valesse a pena recordar o velho e bom Paulo Freire: o exercício estético também deve ser ético...

    Fabiana.

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  4. Minhas amigas, vocês têm toda razão. Ética é uma palavra, mais do que nunca, fundamental. Eu vinha pensando justamente sobre isso, a propósito da cultura pop, que, vocês sabem, eu aprecio, e mesmo do que significa (ou seja, tem significado para mim) um blog. Aliás, quero escrever um post justamente sobre isso, e que também deve encerrar minha abordagem desse tema. Não porque ele não mereça e precise ser acompanhado, mas porque eu não quero fazer isso tão diretamente. Na verdade, eu pretendo que meus próximos posts se articulem a isso, mas de forma indireta. Se bem que essa é uma pretensão meio hedonista, que pressupõe uma "folga dos fatos", ou seja, dessas coisas sobre as quais julgamos imperativo dizer alguma coisa.

    Mas, enfim, se eu cumprir esse planejamento, meu post subsequente ao próximo será sobre um disco do Ira!, que eu ouvia agora há pouco. Mas vai ser uma análise meio extensa, então vai demorar um pouco. Então é até possível que eu cumpra, nesse meio um meio tempo, uma já velha promessa, a respeito de um personagem bem mais leve - apesar de tão mal falado - do que esses sobre os quais venho falando: o Joãozinho. E, de novo, viva o Joãozinho... Aliás, viva a vida, que... a rima mais infame, a mais cretina, é a mais tentadora, e, do jeito que a coisa está indo, a mais realista.

    Mas vejam que esse é um "desabafo pop". Mas, bem, aqui eu me adianto para invocar, da última palavra desse disco do Ira!, a essência mais positiva, talvez, do espírito pop (que é, em boa medida, um "espírito clássico"): equilíbrio. Poucas coisas podem nos ser mais caras do jeito que as coisas vão.

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  5. Ravel, o blog consta no lattes? rsrsrs (brincadeira)

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  6. Oi, Ana. Eu sei de blogs que têm issn. Em todo caso, nada impede que ele conste em nossos lattes. O perigo é a gente perder o emprego, rs.

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