Há tempos tenho comigo a convicção de que o dia em que o samba e o rock se unirem no Brasil – se unirem de verdade, não como exceção, mas como vivência, ou seja, convivência: cultural, espiritual, cotidiana –, o Brasil estará salvo. Ou seja, livre. Livre não só de qualquer jugo externo mas do próprio peso do que “ele” é, de seu passado presente. Em suma, não é pra hoje.
Mas se o samba-rock é uma dessas “exceções”, é também
utopia, e quiçá, também, sintoma: anúncio. Eu deveria ter
dedicado pelo menos um post aos dois shows que vi do Dombraz, uma das bandas
de rock mais importantes de Campo Grande. E se digo “de rock” é porque embora
o Braz seja, de fato, uma banda de samba-rock, com uma pegada excepcional e ótimas canções, como o hit “Café fraco”, além de uma versão arrasa-quarteirão de “Aquele abraço”,
é preciso sublinhar isso: que enquanto banda
de rock os caras do samba-rock (e samba-jazz, samba-reggae, etc.) mandam muito
bem...
Na primeira vez que vi o Dombraz – as duas foram no Parque “das
Nações Indígenas” (as aspas, necessárias, são por minha conta), a segunda
abrindo para um Cidade Negra que, sem ofensa, honrou menos esse nome do que o
Braz faria –, formulei um pensamento que devo registrar agora (antes tarde
etc.): que só ali, naquela noite, ao constatar que a alma do samba estava bem e
viva em Campo Grande, é que eu – “carioca da bunda choca”, como zoava meu pai –
me senti realmente bem-vindo de volta a Bigfield. E acho até que foi depois disso, não antes, que eles tocaram o
tributo do Gil ao Rio.
Mas por algum motivo (que obviamente tem a ver com minha “panca”
de roqueiro) eu nunca havia escrito sobre o Dombraz. Foi preciso esperar um
assunto afim para finalmente prestar meu tributo ao samba-rock, ou melhor, ao
samba-e-rock desse campo velho de batalhas inúteis...
Porque ver a Sampri outro dia foi lindo. Literalmente. Não só por
ser uma banda feminina (salvo engano, três irmãs, com apoio de dois percursionistas) como pela pegada irresistível, a força rítmica, a
afinação e o entrosamento das vocalistas, o repertório de primeira – Zeca
Pagodinho, Arlindo Cruz e Sombrinha, Ivan Lins, Djavan, Chico Buarque –,
trabalhado de forma original e criativa.
A rigor a Sampri não é uma banda de samba-rock, mas a intensidade
sonora, a agilidade e sensualidade dos solinhos-fraseados do violão e a pose
debochada da Renatinha ecoam coisas que unem vertentes do samba a
outras do rock, e em que ambos revelam sua raiz comum: a alma negra.
Aliás, deixem-me aproveitar o adiantado da hora pra dizer esse
disparate: que as melodias do Cartola sempre me soaram psicodélicas.
Outras coisas nessa noite mereceriam comentário, mas outras não
merecem nenhum, então vou parar por aqui. Enquanto a música efetivamente
popular que não se contenta em ser torpeza ou esculacho não encontra espaços
efetivamente populares (no Brasil, em Campão, noutros campos), ou espaços
regidos menos pelo comércio que pela música,
mais do que lamentar é preciso celebrar:
para isso servem as missas, ainda que incompletas ou deslocadas.
(E com isso encerro minha trôpega turnê musical por Campo
Grande: daqui em diante vou tentar despir o maluco beleza pra vestir o
intelectualóide...)
(pras meninas do Sampri, é claro!)
Belo texto!
ResponderExcluirDuas pessoas me perguntaram pessoalmente sobre "as coisas que não merecem comentário" a que me referi, então acho que é o caso de eu esclarecer as circunstâncias deste post... O show das Sampri foi no bar Miça (daí o trocadilho do título), que anunciou outro grupo de samba (ou "pagode", o Casual), mas cancelou o show da mesma, dando lugar a uma dupla de sertanejo universitário. Tudo bem, se o cancelamento ocorresse com uma antecedência mínima, mas durante a própria noitada eu tentei me assegurar de que o Casual tocaria e recebi reiteradas respostas positivas, o que me convenceu a comprar o acesso para o "camarote" (na verdade um espaço coletivo mais perto do palco). Quando me queixei do fato, fui tratado com truculência. Felizmente, valeu a pena pelas Sampri, mas não tenho a menor vontade de vontade ao Miça.
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