VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Nader e Simin: uma esquiva ao "olhar ocidental"


O cinema europeu contemporâneo tem lançado um olhar atento à representação das culturas de países islâmicos. Na última década ganharam evidência produções de jovens diretores do continente que abordam questões como imigração, perda da identidade, tradicionalismo religioso e opressão feminina em comunidades de imigrantes oriundas de países do Magred e Turquia. É o caso de Exílios (França, dir. Tony Galif), Contra a parede (Alemanha/Turquia, dir. Faith Akin) e Quando partimos (Áustria, dir. Feo Aladag), o último escolhido como melhor filme na última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. São produções que registram, sobretudo, conflitos vividos pela segunda geração, os filhos de imigrantes, nascidos ou criados na Europa, para quem a educação dentro do islã representa, possivelmente, mais um peso do que um elemento de identidade.

Não se deixem enganar. O belo e intenso Nader e Simin: uma separação (Irã, dir. Asghar Farhadi) não é o mais novo representante dessa vertente. O Urso de Prata que recebeu em Berlim de melhor filme e conjunto de atores parece sinalizar, justamente, um esgotamento da temática do deslocamento cultural e da opressão patriarcal que marcaram produções anteriores. Como contraponto, o filme de Farhadi nos conduz diretamente a Teerã e ao centro dos conflitos vividos por um casal à beira da separação. Diante do juiz, no entanto, a esposa afirma não ter motivos para se separar do marido, que considera um homem muito bom, mas que vai fazê-lo apenas por que este se recusa a acompanhá-la para fora do país. O abandono da casa por Simin, a esposa, marca o início da desagregação da família (há ainda um sogro com Alzeimmer e uma filha adolescente que se recusa a deixar o pai), e, sobretudo, abre caminho para que um novo e mais intenso conflito se instale na vida do casal com a chegada da dama de companhia encarregada de cuidar do sogro doente após a partida de Simin.

Estes esparsos elementos são habilmente manipulados por Farhadi a fim de construir uma trama pouco previsível, pontuada de suspense, compaixão e sensibilidade na qual há pouco espaço para as representações de vítima e algoz tão ao gosto de certa estética cinematográfica europeia. Para quem está familiarizado com certa visada ocidental sobre o oriente, Uma separação opera um deslocamento bem-vindo, pois revela seres humanos de carne e osso onde até então só havia uma cortina de fumaça.

Lucilene Soares da Costa 

Trailer com legenda em inglês

e em francês

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