VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Educação + política = dignidade: uma equação possível?

Há muitos anos, quando eu era estudante de graduação, organizei, com a ajuda de uns poucos colegas (lembro-me, apenas, da Lucilene, então minha namorada, e de outra amiga do CA de Letras, a Ângela, além de minha "adversária política" Eliany Salvatierra) e, sobretudo, do então diretor do Centro de Ciências Humanas e Sociais da UFMS, um seminário sobre a realidade e as perspectivas dos cursos de licenciatura e do "exercício do magistério" (como então se dizia). O desenho acima, bolado por mim e realizado pelo Tito, da antiga assessoria de imprensa da UFMS (e que eu tomei a liberdade de recontextualizar), ilustrava o folder do Seminário.

Foi um evento bastante problemático, sobretudo devido à minha inexperiência, e uma das situações mais criticadas pelos participantes foi uma palestra conferida por Antônio Carlos Biffi, então sindicalista na área da Educação e eterno candidato a algum cargo eletivo na política estadual. Que eu me lembre, a fala de Biffi, que tinha fama de fisiologista, foi basicamente uma apresentação de estatísticas detalhando a condição de exploração e penúria dos professores dos níveis básicos. Nenhuma abordagem teórica; apenas a exposição de dados crus, talvez manipulados de acordo com as conveniências; nada em todo caso, cujo conhecimento e, mais ainda, discussão fossem desprezíveis.

Seja como for, a experiência desse evento me levou a uma dupla decepção: com a área educacional e com a política estudantil - e, por extensão, com a política em geral. Não por aquela situação específica, mas sobretudo pela falta de apoio de professores e dos colegas, inclusive do DCE, do qual eu era membro. Foi, em todo caso, quando decidi ser um "teórico da literatura", talvez me esquecendo que a sina de professor era praticamente inevitável e que, enfim, somos todos animais irremediavelmente políticos (o Delfim, aliás, devia ter acrescentado isso em seu comentário sobre as empregadas domésticas).

O fato é que há muito tempo eu não tinha notícias do Biffi, até que recebi, ontem, um e-mail, do jornalista e colecionador de receitas vegetarianas Éber Benjamin, a respeito de uma intervenção do agora deputado federal petista no Fórum do Meio Ambiente sobre a votação do novo Código Florestal na Câmara. Biffi, esclareça-se (e termine-se o suspense), foi o único deputado do MS a votar contra o código, e apresentou uma avaliação que apontava a importância de elementos político-partidários - relacionados sobretudo às denúncias contra o ex-ministro Palocci - no resultado da votação.

É bem provável que esse posicionamento e essa avaliação tenham a ver, ao menos em parte, com questões de política partidária, inclusive com divergências entre as tendências internas do PT. Ainda assim, considero o voto de Biffi um gesto acertado e corajoso, ainda mais em vista de sua exclusividade na bancada estadual (o outro petista da bancada declarou voto favorável ao Código mas estava ausente na hora da votação). E felicito-me, sobretudo, por ele advir de um político que iniciou sua atuação na área educacional; o que me faz ter a esperança de que essa relação, entre política e educação, ainda seja capaz de produzir frutos diferentes de tantos que temos visto por aí. Mesmo porque essa é uma relação não só necessária como inevitável. E em nenhuma outra é mais necessário, por uma questão de coerência mesmo, que ela tenha por base princípios honestos e efetivamente transformadores.

Escrevo tudo isso consciente do quanto pode haver aí de ingênuo. Não se trata, ademais, de qualquer tipo de publicidade, ainda mais em vista da recente e pouco interessante, para decepção de muitos, trajetória política de um conhecido escritor e "educador" - em todo caso, de ampla aceitação entre educadores - de São Paulo. Em todo caso, talvez um dia alguém escreva a história da relação entre política e educação, ou melhor, dos políticos educadores, sopesando as ações positivas e negativas, honestas ou desonestas, ingênuas ou tendenciosas, felizes ou desastrosas de gente como Darcy Ribeiro, Marilena Chauí, Cristóvão Buarque etc. Tomara que, ao menos depois disso - quiçá, antes ainda, quiçá já seja assim em alguns casos -, a imbricação das palavras em itálico dignifique o que cada uma tem ou pode vir a ter de melhor.

Voltando à explanação do Biffi, acredita o quiçá sincero deputado que o destino do Código Florestal pode ser outro no Senado, também por questões de configuração político-partidária, que são, ao que parece, o que mais importa na política deste país, a ponto de reduzir essa nobre palavra a essa relação estreita. Em todo caso, segundo essa avaliação, ainda é tempo para desfazer e refazer o quadro - a meu ver nada alentador - ora esboçado, de onde meu pedido de continuidade da divulgação do texto sobre o assunto aqui publicado.

A matéria enviada pelo Éber é de autoria do Centro de Documentação e Apoio aos Movimentos Populares do MS, cujo e-mail é cedampo@terra.com.br. Para quem mora em Campo Grande: o Cedampo e o Fórum incluíram a bandeira ambientalista na Marcha da Liberdade, dia 18 próximo, com saída da Praça Ary Coelho às 9 da manhã.

5 comentários:

  1. Obrigado pelo "colecionador de receitas vegetarianas"...

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  2. E obrigado pelas matérias engajadas. Continue enviando-as, enquanto não engrena seu texto cheio de adornos.

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  3. Reviver a trajetória dos "políticos professores", ou dos "professores políticos", muito interessante. Talvez fosse uma forma de retomar a história das políticas educacionais no Brasil.

    Um forte abraço!

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  4. Valeu, Ramiro! Tomara que um historiador sério como você (ou um jornalista como o Eber) assuma essa tarefa. Aliás, este post surgiu, em parte, de nossa conversa sobre o Brizola e o Darcy Ribeiro. Abraço e volte sempre!

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