VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Sobre a Morte de Deus

" O dinheiro transformou-se, aos olhos do autor do Apocalipse e dos cristãos, na marca da Besta, em sua imagem e no motivo do extermínio dos que não adoram essa imagem."
(Franz Hinkelammert)

Parece que é chegada a hora de todos nós acertarmos nossas dívidas com este tempo trágico. A hora de abandonarmos nossas ilusões. De acordar para o pesadelo do dia a dia. Só os que estiverem despertos conseguirão suportar o que está por vir. Um período de desespero extremo, mas também de uma esperança inquebrantável. Todos os dias passamos por cima de milhares de cadáveres, mortes pelas guerras, pela fome, epidemias, suicídios, assassinatos,acidentes, doenças,etc. Este é o reino da Besta, os maus tempos do grande fim.
É preciso acordar deste sono narcótico do consumismo que dominou nossos corpos e mentes. Estamos sempre querendo mais, mais dinheiro, mais prazer, mais comida, mais bebida, mais paz,mais diversão, mais conforto, mais qualidade de vida, mais gozar. Não percebemos que esta corrida frenética por interesses individualistas, de grupos, partidos, igrejas, associações, classes, gênero, raça, é que está destruindo, não o planeta, mas a humanidade.
Perdemos a perspectiva do todo, a idéia de totalidade. Estamos como que enfeitiçados por uma razão cínica que nos embota a sensibilidade. Vista em seu conjunto, a humanidade parece uma horda de loucos, procurando uma salvação ou uma cura para uma angústia cuja causa desconhecemos e que fingimos superar com nossa ideologia, nossa religião, nosso hedonismo, mas que insiste em voltar cada vez mais feroz como um sintoma psicótico.
Temos que abandonar nossas fantasias, nossos idílios, e admitir que nosso mundo, nosso trabalho, nosso prazer, nossos sonhos, nossas vidas, estão fundamentadas no horror. O capitalismo é a época do horror, é o tempo da apostasia do qual nos fala a Bíblia, onde Deus está morto no coração de grande parte da humanidade.
Javé, o Deus judaico-cristão, foi substituído por um ídolo. Dostoiévski o chamava de ídolo alemão. Marx o nomeou como capital. Para nós ele é simplesmente o prestativo e inofensivo dinheiro. Cristãos e judeus mataram Deus e colocaram em seu lugar uma nova divindade: o dinheiro, a imagem da Besta.

" É uma imagem viva, eficaz e destruidora. Todos igualmente têm de adorá-la, porque ninguém mais pode viver sem comprar e vender. É o falso profeta, que parece cordeiro, mas que fala como a serpente. É claro que como serpente diz: Quem como Deus?"
(Franz Hinkelammert)

A morte de Deus nos corações dos europeus foi o que possibilitou a carnificina das duas grandes guerras do século XX, e que contou com a benção da Santa Igreja Católica de Roma,resultando em mais de setenta milhões de mortos, sem considerar os milhões de assassinatos políticos cometidos pela União Soviética, oficialmente atéia e comunista somente no discurso. A acumulação de riquezas tornou-se a nova religião dos países ricos, e o dinheiro seu novo Deus. Essa nova crença foi o que Weber chamou de espírito do capitalismo, uma nova ética que transformou a preocupação com os bens materiais em uma prisão de ferro que aprisionou os fiéis do mundo civilizado.
O Deus vivo e real de judeus e cristãos foi exilado para os países pobres da periferia do sistema capitalista, chamado pelos cidadãos do primeiro mundo de um misticismo arcaico de povos primitivos que ainda não tinham atingido o mesmo nível intelectual que o deles. A crença em um Deus invisível (Shakespeare chama o dinheiro de divindade visível), um Deus de justiça e solidariedade pertencia aos povos atrasados, que não haviam sido esclarecidos pela luz da razão iluminista.

6 comentários:

  1. Se Deus vivesse em todos corações não haveria a predominância de "interesses individualistas"? É claro que a própria vontade de Deus estaria na regência de tudo. Na verdade, alguém que recrimina interesses individualistas não deveria se expressar a respeito de nada, do contrário seria incoerente. Entretanto, evidencia-se uma dicotomia: sujeitar-se a Deus para que o mundo seja bom; ou matá-lo em nós, e convivermos com carnificinas e demais atrocidades. Diante disso, a discussão sobre capitalismo perde seu valor. E se fosse dado tanto valor na presença ou opinião de Deus talvez conheciríamos a causa das angústias anteriores. Se é que acreditamos em Deus. E se não?
    "Mas ao ímpio diz Deus: Que tens tu que recitar os meus estatutos e que tomar o meu concerto na tua boca, pois aborreces a correção e lanças as minhas palavras para detrás de ti?" (Sl. 50.16,17).

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  2. É incrível sua capacidade de sofismar. Seu interesse em defender o status quo com tanto cinismo e bom humor é assustador. Você se faz de desentendido, mas no fundo se comporta como um fariseu defendendo abstrações que servem a sua desfaçatez. Se Deus estivesse em todos os corações os interesses coletivos é que predominariam. Você parece que não entendeu a proposta deste blog, pois nossa intenção é refletir sobre temas importantes da atualidade. Ímpio é todo aquele que defende esse sistema macabro com um verniz de intelectualidade como você faz com tanto cinismo.

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  3. O capitalismo é o câncer latente da sociedade. A partir da ganância do homem é que acontece tantas escabrosidades dentro do meio, e sim! desde o momento que se deixa de pensar no todo, para se olhar para o próprio umbigo, acontece uma desvalorização geral do contexto. Infelizmente o capitalismo é o único mal incurável dentro da sociedade, pois, a arrogância, ganância e o egoísmo cega por completo o olhar crítico do ser humano.

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  4. Não defendo o capitalismo e nem te considero ímpio.

    Nem capitalismo nem socialismo, nem qualquer outro sistema que os homens venham criar resolverá a situação degradante da humanidade. O apocalipse é algo inevitável. Mesmo assim, é lógico que devemos contribuir com a sociedade enquanto vivemos. Daí podemos nos envolver em discussões de menor peso em relação às profecias. Mas se numa mesma discussão está em pauta o capitalismo e a era da tribulação, com certeza não há nada que possamos contribuir. Torna-se uma questão de salvação. E os que se salvam confessam ser estrangeiros e peregrinos na terra (Hb 11.13). Em breve o "Dia do Senhor virá... e os elementos , ardendo, se desfarão, e a terra e as obras que nela há se queimarão (2 Pe 3.10). No entanto, Deus guardará alguns da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra (Ap 3.10). "Porque o mesmo Senhor descerá do céu... e os que morreram em Cristo ressucitarão primeiro; depois, nós (os justos), os que ficarmos vivos seremos arrebatados juntamente com ele nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares..." (1 Ts 4.16,17). Isso faz parte da minha fé. E se essa fé é considerada sofismo ou abstração, eu lamento.

    Como você escreveu, "este é o reino da Besta". É verdade! Está escrito: "o deus deste século cegou os entendimentos..." (2 Co 4.4); "... segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades..." (Ef 2.2); (disse Jesus) "... se aproxima o príncipe deste mundo e nada tem em mim" (Jo 14.30).

    Sobre a vontade de Deus predominar, disse o Senhor: "... o meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade (Is 46.10). E sobre Ele está escrito: "... e, segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?" (Dn 4.35). Eu, particularmente, agrado-me disso; como está escrito: "Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu" (Mt 6.10).

    Eu acredito ter entendido a proposta do blog. No entanto, senti que você usou de liberdade em não obedecer a esta proposta de forma estrita. Da mesma forma, senti liberdade para fazer meu primeiro comentário e este segundo, no qual descrevo minha fé,
    fugindo da predominante temática neste espaço. De qualquer forma, peço desculpas. No entanto, essa discussão me agrada, pois sinto responsabilidade de expressar minha fé; e nesse episódio você me proporcionou oportunidade. Agradeço.

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  5. qual seria a alternativa ou solução dos problemas levantados nesta descrição da sociedade?

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  6. Hermanos Tião e Wesley:
    Não vejo motivo para tanta discórdia, que a meu ver se deve principalmente a um problema de interpretação da citação do Wesley sobre os ímpios. Entendo a indignação do Tião com o desdém do Wesley pela questão do sistema político-econômico. O que está acontecendo hoje nos EUA mostra mais uma vez como uma sociedade sob a égide do capital é uma sociedade de educação para a guerra e o fascismo. Mas também acho que há questões antropológicas mais fundas por trás disso, e não concordo inteiramente com a interpretação do Tião a respeito da "morte de Deus", que em certo sentido eu vejo como uma tentativa (o anúncio do Nietzsche, pelo menos) de ir além da estrutura de dominação (e repressão, e autorrepressão) antropoteológica que vivemos. E acho que o Tião se esquiva da "questão ecológica" no primeiro post, num salto para a metafísica (que se concretiza no segundo) que minimiza a amplitude e universalidade do sistema de destruição sistêmica que pesa sobre a "Mãe Terra", sim, mas igualmente sobre os homens. Mas o que eu acho importante lembrar ao Tião, mesmo, é que a proposta do blog é também submeter as ideias a discussão. Em minha opinião, seria de bom tom im pedido de desculpas ao Wesley. Afinal, penso que queremos todos um mundo melhor, com ou sem apocalipse.
    Abraço a ambos.

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