Um exemplo do que eu disse no penúltimo parágrafo (ou primeiro acréscimo) do post anterior:
"A mistura de raças em países como o Brasil resultou em “altos níveis de corrupção, baixa produtividade e conflitos entre as diferentes culturas” para Anders Behring Breivik, o norueguês que assumiu a autoria dos atentados em Oslo. A observação está presente no manifesto “A European Declaration of Independence – 2083” (Uma declaração de Independência Europeia - 2083) – atribuído a Breivik e divulgado na internet horas antes do massacre na Noruega."
O título dessa matéria do yahoo (leia aqui), que certamente suscitará tantas discordâncias quanto concordâncias dos leitores, é "Para atirador da Noruega, mistura de raças do Brasil é 'catastrófica'", e a ela não se segue nenhuma avaliação crítica. Ilustrando-a, vemos o "atirador" fazendo mira com uma arma de alto poder de destruição sob um fundo branco, fundindo-se portanto ao fundo da matéria, num conluio mais do que sintomático. A "reportagem" ainda contém expressões francamente elogiosas ao "manifesto", como "a declaração" e "cheio de referências históricas", e se permite até transcrever um "conselho" de Breivik: "Seja extremamente cuidadoso quando lidar com material radiológico". Quanto zelo, diria um incauto chegado na Terra neste instante.
Esse tratamento no mínimo displicente - e no limite conivente, para não dizer bajulatório - diante de gestos e ideias atrozes deveria envergonhar qualquer jornalismo, mesmo o mais apressado ou marrom. Ele torna o título do meu post anterior mais sério e menos pessoal do que eu imaginava quando o escrevi.
Eu pensei em corrigir Renato Russo, que cito no título deste: a ignorância é vizinha do fascismo. Mas que isto fique registrado assim, em letras menores, seja porque nada disso é para trocadilhos de qualquer espécie, seja porque alardear a estupidez que viceja nos atos humanos não é a melhor forma de combatê-la. Permitam-me, no entanto, insistir nessa triste verdade: o fascismo anda à solta. Resguardemo-nos dele, em nossos atos, palavras e sentimentos.
Acréscimo em 26/07: Alguém popderia me perguntar como fica o "caso Juan" nisso tudo. Eu responderia com outra pergunta, mais uma vez citando Renato Russo: "Qual é a diferença?" A falta de um "programa"? O número de vítimas (mas também de executores) da covardia extrema? A diferença, no caso, é que esse tipo de "ação" se tornou comum demais e eu me esqueci dela. Aliás, o verso que antecede aquela interrogação (numa canção sobre o fascínio da violência) é "Nós assistimos televisão também". Há muito tempo isso tudo já foi longe demais, e não se desenha nenhum horizonte concreto para além disso.
Quero acrecentar outra coisa: no outro post eu me referi a "motivações racialistas" para explicar a complacência da mídia com as "ideias"de Breivik, mas é claro que há outras elementos envolvidos, inclusive nosso conhecido complexo de infeioridade frente aos "países desenvolvidos". Há um post neste blog, sobre outra questão, mas que toca diretamente nesse assunto.
VIVENCIAL
Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.
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Sim, Ravel, o fascismo e demais facções ultraconservadoras andam à solta e, pior, são divulgadas pela internet e pela imprensa fascistóide, significando, com isto, que há público para tal. O engraçado (desculpe-me a palavra "engraçado", pois não há graça nenhuma nisto), é que nesses dias eu reli o texto "O que significa elaborar o passado" de Adorno, em que ele fala dos efeitos maléficos do "esquecimento" do holocausto e da pesença do neonazismo... Devemos trazer à tona o nosso passado histórico monstruoso para lutarmos contra as condições atuais que são propícias a tais manifestações. E Adorno não estava mais do que certo?
ResponderExcluirPois é, Ana, vc sabe que eu sempre fui muito mais simpático a Benjamin ou Marcuse do que a Adorno, mas parece que quanto mais pessimista se é, mais chance se tem de ser realista... E eu acabei de fazer umacréscimo, no post, sobre umesquecimento pessoal. Mas isso que vc fala sobre trazer à tona o horror do "passado" (o passado é uma presença-ausência) é fundamental, inclusive em termos pedagógicos. Encarar isso de frente é a única forma de se opor aos mascaramentos e às leviandades da deseducação midiática.
ResponderExcluirObrigado e um abraço,
Ravel.