Desculpem-me os colegas mais exigentes, mas, apesar da referência a García Márquez, eu começo de novo citando Renato Russo, que disse (num show em Campo Grande que eu não tive a sorte de ver) que transava até com porco-espinho. Eu, cuja experiência mais próxima da zoofilia foi uma paixão platônica pela Maga Patológika, não tenho opinião formada sobre o assunto. Mas desde que vi
Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo etc., de Woody Allen (especificamente, o episódio estrelado por Gene Wilder, numa dobradinha fantástica), e que soube de muita gente boa (inclusive um ex-policial) que teve sua iniciação sexual com vacas ou ovelhas, deixei de me escandalizar com essas coisas.
Aliás, nem é bem disso que se trata na foto acima, um registro que ocasionou, segundo notícia amplamente divulgada, o afastamento dos "envolvidos". E diante desse fato eu me pergunto: é
esse tipo de excesso que causa afastamento de policiais (no caso, em Santa Catarina)?
Não que haja aí, propriamente, esse atributo moral cada dia mais raro chamado inocência. Os rostos que podemos ver não exprimem maldade ou sarcasmo, e sim uma malícia comum em brincadeiras masculinas. Mas, sem sacanagem, o buraco é mais embaixo: alguém duvida que essas pessoas só se atrevem a fazer isso porque são quem são, ou seja, porque vestem a farda que vestem? Ou, inversamente, alguém acredita que
outras pessoas (em "sã consciência") se atreveriam a fazer o mesmo diante
dessas pessoas fardadas?
Quando vi essa notícia me lembrei de uma experiência - na verdade, lembrei-me dela outras vezes esses dias - que tive o desprazer de viver em São Paulo. Eu, a Josy, grávida, e o Chico, então um bebê, saíamos da rodoviária da Barra Funda pela Francisco Matarazzo, e na calçada uns rapazes tomavam baculejo, enquanto o policial (um oficial?) que comandava a operação apressava "educadamente" os passantes. Como a Josy, de barriga já bem avantajada, começou praticamente a correr, eu disse que não precisava ser tão depressa assim. Não lembro o conteúdo verbal exato da reação do representante da lei, mas só o gesto que ele fez, com o cassetete ou coisa mais ameaçadora, já foi suficiente para que eu mesmo puxasse a Josy, assustado.
Coisas da vida. Enfim, nada demais, a meu ver, em simular um "ato de amor" com uma vaquinha de inspiração folclórica. Nosso folclore, aliás, tem lá sua malícia, e hoje em dia até os desenhos animados brincam com coisas desse tipo. Mas quando esse ato advém de um policial cercado por seus colegas, e que provavelmente impediria que outras pessoas o praticassem, é difícil não ver aí uma prova da psicologia do autoritaritarismo que ainda grassa entre nós.
O que não elimina a pergunta, que convém refinar: e os atos de truculência contra seres humanos (de verdade) cometidos por policiais, sob ordens superiores ou não, quando gerarão automaticamente processos disciplinares? Aliás, até quando vamos conviver com esse "resquício" autoritário que é uma "sociedade livre" onstensivamente vigiada por polícias militares?
E se o caso é de atentado contra bovinos, uma notícia como
essa me parece muito mais atroz, aliás como o cotidiano de qualquer matadouro.
P.S. em 05/02 - O que acontece agora em Salvador-BA é "apenas" uma consequência extrema (mas não necessariamente a mais extrema) de uma "ordem social" fundada muito na vigilância e no armamentismo ostensivos, e não na justiça social.